Precisa traduzir?
A ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) tem um trecho revelador. Do estadao.com.br:
Mesmo admitindo que o País enfrenta a "interrupção do ciclo de expansão industrial", [que] a produção de bens de capital "perdeu dinamismo", [que] a criação de empregos formais também desacelerou e a balança comercial "perdeu vigor", o Banco Central manteve a taxa Selic em 13,75% na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) da semana passada por não sentir segurança quanto à trajetória da inflação. A ata do Copom, divulgada ontem, mostra que o BC não aceitou se desviar da estratégia preventiva e não desistiu de trabalhar para que a inflação não estoure o teto da meta deste ano, 6,5% - o centro da meta é 4,5%, batalha já perdida.
Leia a reportagem. Mas por que o Copom está "inseguro" quanto à inflação?
Ao ficar claro que a manutenção da Selic foi uma decisão construída numa reunião de quatro horas, na semana passada, o Copom disse que prevaleceu a idéia de que "o ambiente macroeconômico continua cercado de grande incerteza". Um dos argumentos desenvolvidos com mais detalhes na ata do Copom é uma comparação entre as "economias maduras" e as "economias emergentes", como a do Brasil. "Nas economias maduras, onde a ancoragem das expectativas da inflação é mais forte", a recessão "reduz rapidamente" as pressões inflacionárias, diz a ata. "Já nas economias emergentes, onde os efeitos secundários da elevação dos preços de matérias-primas sobre os preços ao consumidor e as pressões da demanda aquecida sobre a capacidade de expansão da oferta vinham sendo mais intensos, as pressões inflacionárias têm maior persistência."
O negrito em "vinham" é meu. A ata do Copom tem cheiro de fraude. Os diretores do BC explicam que "nas economias emergentes (...) os efeitos secundários da elevação dos preços de matérias-primas sobre os preços ao consumidor e as pressões da demanda aquecida sobre a capacidade de expansão da oferta vinham sendo mais intensos (...)". É a justificativa do Copom para não baixar a taxa de juros. Ora, o que é "vinham"? É o pretérito imperfeito do indicativo do verbo "vir". Se houvesse risco real, a palavra não seria "vinham", seria "vêm". Em vez do pretérito imperfeito, viria o perfeito. Elevação de preços de matérias primas? Mostrem-me um, só um economista que assine hoje embaixo de previsões sobre riscos reais de subida explosiva de preços de commodities. O barril de petróleo, por exemplo, já caiu mais de dois terços. Tanto que a Opep corre para cortar a produção. Outro fato que a ata do Copom trata no pretérito imperfeito são "as pressões da demanda aquecida". Tem mesmo que ser "vinham", porque demanda aquecida é outra coisa que não existe mais. Basta dar uma olhada no noticiário. Insisto: a ata do Copom tem cheiro de fraude. Justificam-se os juros daqui para adiante com base numa realidade que ficou para trás, como mostram as próprias escolhas verbais da diretoria do Copom. O uso do verbo "vir" no pretérito imperfeito é o rabo do gato deixado de fora quando o gato tenta se esconder (a comparação com o bichano não é original neste blog). Bem, há diversas explicações sobre as recentes atitudes do Copom. Uma é política. Outra é econômica. O Banco Central não pode dizer, mas teme que a redução dos juros, essencial para injetar oxigênio na economia e desafogar os gastos públicos, possa conduzir o país a uma crise cambial. A uma fuga de dólares. À queima de reservas. O que empurraria o Brasil para algum tipo de retenção forçada do capital externo que aqui ingressou. Nada a ver com a inflação, já que repassar aumentos passados a preços futuros numa economia que recua é nonsense. E há uma terceira possível explicação, inspirada na coluna que Paul Krugman escreve hoje no The New York Times a propósito do escândalo Madoff (The Madoff economy), refletindo sobre os efeitos nefastos da hegemonia do capital financeiro sobre o conjunto da sociedade:At the crudest level, Wall Street’s ill-gotten gains corrupted and continue to corrupt politics, in a nicely bipartisan way. From Bush administration officials like Christopher Cox, chairman of the Securities and Exchange Commission, who looked the other way as evidence of financial fraud mounted, to Democrats who still haven’t closed the outrageous tax loophole that benefits executives at hedge funds and private equity firms (hello, Senator Schumer), politicians have walked when money talked.
O dinheiro, como uma espécie de flautista de Hamelin (outra comparação não original) dos políticos. O Banco Central pode fazer o que quer porque se autonomizou em relação à política, ganhando ele próprio um viés (êta palavrinha maldita) político. E os políticos que poderiam enquadrá-lo? Bem, talvez "politicians have walked when money talked". Precisa traduzir? E leia mais n'O Hermenauta.
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