Delúbio Soares (*)
"A seleção é a pátria de chuteiras", Nélson Rodrigues
Foi em novembro de 2003, em Pretória, a capital da África do Sul, que o então presidente sul-africano Thabo Mbeki, pediu ao presidente Lula o apoio oficial do Brasil à realização da Copa do Mundo de 2010 em seu país. Recordo-me bem da resposta bem-humorada do presidente, por mim assistida: "Apoio, mas não me peça para perder! O Brasil vai ganhar a Copa na África do Sul!". Já é história. Mas, história que se tornou realidade.
Futebol é o outro nome da paz. O mundo se esquece de seus conflitos por exatos 90 minutos. Dois times, duas bandeiras, duas cores, vinte e dois homens, milhões de corações e mentes, esperança, talento e garra no gramado. Muito mais que uma disputa, que um campeonato, a Copa é um excepcional congraçamento de Nações, um encontro de desportistas do mais alto nível, a realização do sonho de bilhões de torcedores em todos os países, num momento mágico de paz e alegria.
Nesse campo, o Brasil é campeão. Já provamos isso em 1958, na Suécia; em 1962, no Chile; em 1970, no México; em 1994, nos Estados Unidos e na Coréia em 2002. Agora haveremos de repetir o feito, unidos rumo ao hexa-campeonato, nos gramados sul-africanos.
O Brasil sempre hipnotizou o mundo com o talento de nossos atletas, desde o inesquecível Leônidas da Silva, o "Diamante Negro", até Ronaldo, "O Fenômeno", passando por uma galeria onde brilham o genial Didi e suas jogadas; o insuperável Vavá e seus gols; Garrincha e suas pernas tortas, fazendo dos adversários os célebres "Joões", humilhados por seus dribles desconcertantes; e o Rei Pelé, gênio dos gênios, orgulho do Brasil e do futebol mundial. São nossos atletas que levaram longe nosso nome e o invulgar talento dos brasileiros no trato com a bola. São legendas do mais popular, do mais alegre, do mais universal dos esportes. Se os ingleses criaram o futebol com engenhosa criatividade, os brasileiros o aperfeiçoaram com inimitável competência, dando-lhe bossa, emprestando-lhe alegria, impregnando-o de fraternidade.
A realização da Copa Mundial de Futebol no continente africano adquire singular importância. Sinaliza novos tempos, uma nova geopolítica internacional, com a valorização de um continente riquíssimo, porém marcado por absurdas desigualdades, secular exploração por potências coloniais, além de problemas gravíssimos e inadmissíveis em pleno século XXI, como a fome, várias endemias, mortalidade infantil altíssima, sucessivos golpes-de-estado e permanentes conflitos tribais.
Mas para muito além de um quadro assim, desolador, existe uma "Mãe África" que desponta soberana, rica e esperançosa. Ela é espelhada pelo petróleo que brota na Nigéria, na Guiné Equatorial, no enclave de Cabinda e por toda Angola. Ela é vislumbrada na indústria do turismo desde os safáris até o litoral exuberante, passando por reservas ecológicas e campos e floretas ricas e belíssimas, com ecossistema impressionante que se espalha por todo o vasto território continental. Na franja austral, por exemplo, Moçambique já ultrapassou o antigo bolsão de miséria e desponta como uma terra de promissão. As vinícolas, as riquezas minerais, a indústria forte da África do Sul são a face vitoriosa de um país que soube se reencontrar consigo mesmo. A Namíbia e a África do Sul atraem investidores de todo o planeta, já figurando entre os países que escreverão a nova história econômica e social do século que se inicia.
São centenas de empresas brasileiras que hoje investem e trabalham na África do Sul, na Nigéria, na Namíbia, no Congo, em Moçambique, em Angola, em Cabo Verde e em São Tomé e Príncipe, dentre outras Nações africanas. A distância que nos separa de nossos irmãos negros já não é tanta, atalhada por centenas de vôos, por bilhões de reais, por bons negócios e um relacionamento diplomático aprimorado durante o governo do presidente Lula, o brasileiro que olhou a África com olhos de Estadista, visando parceria e companheirismo e não com o habitual colonialismo, comiseração ou desprezo anteriormente destinados ao "continente negro".
Nossos irmãos da raça negra são atletas invulgares. A maioria dos jogadores norte-americanos de basquete são afro-descentes, como Michael Jordan e Shaquille O'Neal, além do grande "Magic" Johnson, também campeão na luta pela vida e uma bandeira contra a AIDS. O maior pugilista de todos os tempos, Cassius Clay, o Muhammad Ali, também bem representa os afro-descendentes que brilharam e brilham no cenário desportivo mundial. Mesmo aqui, no Brasil, nos acostumamos a ver os velozes corredores do Quênia vencendo, ano após ano, a Corrida de São Silvestre, com mérito e humildade.
Nada mais justo do que a realização da Copa na África do Sul. É mais do que imponente manifestação esportiva, é uma condenação ao racismo e a todos os tipos de segregação racial ou social. É a valorização da África Austral, uma das regiões que mais se desenvolvem em todo o mundo. É a consagração da grande pátria sul-africana, nossa parceira nos BRIC's, uma aliança comercial e política que nasce como a união de potências emergentes e futurosas. A Copa se realiza no país que viveu a mais hedionda das segregações, o mais brutal dos regimes políticos, e por conta de dois grandes homens, o líder branco Frederik de Clerk, e o Estadista Nélson Mandela, o elevado espírito que deixou quase três décadas de cárcere para consolidar a transição democrática e pacífica do odioso 'apartheid' para a democracia plena. A Copa na África do Sul é um reconhecimento aquele continente sofrido e seu extraordinário povo.
Quando esse artigo estiver sendo lido, na manhã desta sexta-feira, os olhos e os corações de todo o Brasil estarão voltados para a bela festa de abertura do maior de todos os encontros esportivos, o mais popular, o mais querido, aquele em que nós, os brasileiros, somos fortes candidatos ao hexa-campeonato. Irmanados, estaremos defendendo nossas cores no campo da paz. Que tal momento sirva, especialmente, como reafirmação de nossos compromissos com a fraternidade e a união entre os povos.
(*) Delúbio Soares
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