Do blog do Alon
O que é melhor: o sistema que abre espaço para um Tiririca, ou o que permitirá aos Tiriricas de todos os matizes funcionarem como fornecedores de voto para os donos de partido conquistarem cadeiras nos parlamentos sem nem precisar sair de casa?
O núcleo da reforma política em desenvolvimento nos últimos anos é o voto em lista fechada, ou preordenada. Funcionaria assim: cada partido define a ordem dos candidatos para a eleição de deputado federal, estadual e vereador, elegendo-se os primeiros de cada lista, conforme o número de cadeiras que a legenda conseguir na eleição.
Os candidatos chamados “exóticos” têm garantido alguma movimentação ao noticiário nesta, até agora, modorrenta eleição. O caso mais exposto é o do comediante Tiririca, em São Paulo. O postulante teria tudo para passar despercebido, não estivesse para recolher um caminhão de votos no próximo dia 3. Com ele, deverá eleger mais um punhado de gente, pois cada voto no Tiririca soma também para a coligação, contribuindo para engrossar a fatia dela na Câmara dos Deputados.
A função de “puxador de voto” não costuma incomodar a opinião pública quando os puxadores são, digamos, mais bem vistos. Tipicamente nosso. Mas Tiririca está incomodando, por ter-se transformado numa forma de protesto.
Argumentam também que é analfabeto. Sobre o tema do analfabetismo, pretendo escrever dia desses. Apenas registro que todas as confusões recentes da política brasileira nasceram das ações de brasileiros perfeitamente alfabetizados, no pleno domínio das habilidades de ler e escrever.
Mas o tema desta coluna não é a norma que proíbe o analfabeto de se candidatar, é a carona que a reforma política pega em cada polêmica surgida no processo eleitoral. Se muitos eleitores decidiram votar no Tiririca, trata-se agora de abolir o direito de o eleitor escolher o candidato. Melhor seria transferir esse poder ao partido, por meio da lista fechada.
Mas quais seriam mesmo as diferenças entre os dois métodos? Eu posso apontar uma. Hoje o sujeito vota no Tiririca e elege, além dele, mais um tanto de gente. No sistema proposto, os votos que a lista receberá do eleitor desejoso de eleger o Tiririca elegerão do mesmo modo um lote de candidatos da legenda ou coligação, mas sem a garantia de o Tiririca estar entre os eleitos.
Na regra de agora, o puxador de votos elege-se e ajuda a eleger outros. Na proposta nascida da esperteza brasiliense, essa fonte inesgotável de casuísmos, só estará garantida a eleição dos primeiros da lista. Se o puxador estiver numa boa posição, sorte dele. Se não, se o cacique partidário tiver conseguido enrolar o incauto e jogá-lo para um “ponto morto” na lista, os espertalhões só precisarão agradecer a ajuda do dono dos votos. E sugerir gentilmente que ele volte dali a quatro anos.
Haveria maneiras de evitar a injustiça? Sim, se a lei obrigasse as siglas a adotar mecanismos democráticos de composição das listas. A lei brasileira é, porém, peculiar. Os partidos recebem dinheiro público, mas estão livres para funcionar como bem desejarem. Por isso, com honrosas exceções, transformaram-se em cartórios dominados por caciques eternos.
O que é melhor: o sistema que abre espaço para um Tiririca, ou o que permitirá aos Tiriricas de todos os matizes funcionarem como fornecedores de voto para os donos de partido conquistarem cadeiras nos parlamentos sem nem precisar sair de casa?
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