Por mais de dois meses, nas profundezas de uma mina, sem luz e completamente isolados, um grupo de homens desafiou a morte. Os trinta e dois chilenos e um boliviano, vivendo uma tragédia pessoal, acabaram por escrever uma página das mais belas na história do continente latino-americano.
O Chile, grande país de tradição democrática, após haver purgado duas décadas de feroz ditadura do sanguinário Pinochet, reencontrou-se não faz muito com a liberdade e possui economia das mais sólidas e pujantes. Sua riqueza vem da pesca, da fruticultura, dos vinhos e do cobre. Em todas elas, a mão do homem, a força do trabalhador. E no centro da terra, na escuridão de uma mina, aqueles operários forjavam a grandeza de seu país, contribuindo para a riqueza do Chile e a emancipação dos chilenos.
Que dura é a vida dos que carregam as Nações! São os operários nas fábricas dos cinturões industriais das grandes metrópoles; são os agricultores que tiram da terra o nosso alimento com as próprias mãos; são os mineiros na escuridão dos túneis e na profundeza das escavações insalubres opulentando a Pátria com suas riquezas minerais; são os professores nas salas de aula ensinando gerações, democratizando o alfabeto, parindo destinos; são os comerciários, na lida diária; são os prestadores de serviços, dinamizando o mercado; são os empreendedores, acreditando em sonhos, gerando divisas e empregos.
Mas é da mescla rara dos que correm risco e assumem sacrifícios, dos que aceitam missões e encaram as dificuldades, dos que crêem em seus sonhos e não se intimidam com os desafios - sejam eles quais forem - e as barreiras a serem transpostas, que sai a tinta indelével com a qual se escreve história dos homens e o destino de suas Nações.
O resgate dos mineiros no Chile assume importância singular na história de nossos irmãos andinos, mas, também, realça a união dos latino-americanos e nos deixa a lição de que a solidariedade é instrumento coletivo insuperável, e de que as grandes catástrofes e os acidentes envolvendo a sociedade civil sempre que puseram à prova os nossos povos foram vencidos pela união de todos eles.
Há uma significação imensa no resgate daqueles trabalhadores das profundezas do deserto de Atacama, do coração da terra, a uma profundidade de mais de 700 metros, longe da luz do sol e vivendo a brutal incerteza que os assaltou por mais de dois meses. Resta-nos, da epopéia de trazê-los de volta aos seus familiares e à vida do Chile, a lição de que a união da cidadania e dos governos, a permanente solidariedade de todos, da mobilização de médicos e cientistas, da competência de técnicos e engenheiros, do apoio da imprensa e da opinião pública, o homem será sempre maior que suas misérias e vencerá as tragédias que se abatem por sobre todos nós.
Como os trinta e três sobreviventes das profundas de Atacama, que emergiram da escuridão para a luz em lenta, exitosa e histórica operação de resgate, temos o exemplo de mais de 30 milhões de brasileiros que deixaram a miséria nos últimos 8 anos e conheceram o conforto de casas decentes, escolas bem equipadas, sistema de saúde bastante melhor e o fim da chaga maldita do desemprego. Como aqueles heróis da mina chilena, três dezenas de milhões de cidadãs e cidadãos brasileiros, de jovens e de idosos, de norte a sul do Brasil, viram a luz de uma nova vida refletida em casa, pão e trabalho.
A escuridão não estava somente na profundeza de uma mina perdida em Copiapó, no norte chileno. A escuridão estava em um continente que mergulhou na inflação e no desemprego, que privatizou de forma danosa e irresponsável, de governos neoliberais sem compromissos sociais ou amor ao povo. A escuridão estava em governantes que nos anos 90 prejudicaram a marcha de seus povos para a emancipação social e econômica. Rasgaram Constituições, reformaram legislações para que pudessem se reeleger, doaram o patrimônio público. Foi a década perdida. Ou a década infame. Eram os Menem, os Fujimori, os FHC. Passaram e não deixaram saudades.
Aqueles mineiros simples e sofridos, que voltaram à luz e à vida, que não perderam a esperança e nem de desesperaram, que esperaram a salvação com a força com que a sentileza aguarda a aurora, nos tocam a alma e o coração. Na pátria de Neruda, de O'Higgins, de Violeta Parra, de Gabriela Mistral, de Allende, de tantas tradições libertárias e de imensa riqueza cultural e histórica, eles nos recordaram o exercício da esperança, o dever da resistência e a vitória dos que não se entregam jamais.
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