Para aqueles que, até mesmo nas fileiras da esquerda, chegaram a dizer que os candidatos presidenciais eram todos iguais, eis aqui uma estupenda diferença: enquanto os neoliberais conseguiram demolir e paralisar uma das mais expandidas indústrias navais do mundo, a brasileira – fazendo com que desde 2000 não se produzissem mais navios aqui – o governo Lula acaba por transformar o setor em fonte geradora de emprego, desenvolvimento tecnológico, promoção de justiça social e, especialmente, alavanca indispensável para se alcançar a soberania. O artigo é de Beto Almeida.
Muitas lições podem ser tiradas da retomada da indústria naval no Brasil que nesta sexta-feira lançou, no Estaleiro Mauá, em Niterói mais uma grande embarcação ao mar, o navio Sérgio Buarque de Hollanda. Mas, certamente, deve-se discutir com prioridade que não é possível pensar um Brasil soberano sem uma indústria naval desenvolvida. Para aqueles que, até mesmo nas fileiras da esquerda, chegaram a dizer que os candidatos presidenciais eram todos iguais, eis aqui uma estupenda diferença: enquanto os neoliberais conseguiram demolir e paralisar uma das mais expandidas indústrias navais do mundo, a brasileira – fazendo com que desde 2000 não se produzissem mais navios aqui – o governo Lula acaba por transformar o setor em fonte geradora de emprego, desenvolvimento tecnológico, promoção de justiça social e, especialmente, alavanca indispensável para se alcançar a soberania.
O que pensar de um país com costa superior a 8 mil e 500 quilômetros sem uma indústria naval desenvolvida? Eis aí a tarefa dos neoliberais que se ocuparam de destruir o que havia sido levantado na Era Vargas em particular. O Brasil chegou a ter a sua empresa estatal no setor, a Loyd Brasileiro, e a ocupar uma posição de destaque no cenário mundial da construção naval. A própria navegação de cabotagem teve expressivo desenvolvimento e nem podia ser diferente. Vargas chegou a criar a frota do álcool e do petróleo. Com o neoliberalismo dos anos 90 tem início a demolição devastadora. Ela alcançou todos os pilares estruturais do transporte, seja ferroviário (privatização da Rede Ferroviária), aéreo (privatização da Embraer) e o naval, com a privatização do Loyd Brasileiro seguida de uma programada desindustrialização. O desemprego foi dramático, generalizado.
Organizadores de derrotas
Demolir a indústria naval é organizar a dependência, é organizar a derrota de uma nação. Mais que isto, é programar sua incapacitação para a defesa, pois sem indústria naval não há como ter também uma Marinha equipada à altura dos potenciais de riqueza que devem ser defendidos. As autoridades de defesa já indicaram, em numerosas oportunidades, a situação de desarmamento em que se encontra e ainda se encontra a Marinh a Brasileira, agora em fase de recuperação. É certo que ainda falta muito, porém, recuperar a indústria naval é condição indispensável para organizar uma capacidade de defesa do porte das magníficas riquezas que o petróleo pré-sal representa. Aí está o desafio. Nesta linha de raciocínio podemos concluir que uma indústria naval recuperada é fator que se junta à Nova Estratégia de Defesa Nacional.
Há alguns anos, antes da divulgação da existência do petróleo pré-sal, a imprensa noticiou a existência de um estranho relatório da CIA indicando que as plataformas da Petrobrás em alto-mar eram muito vulneráveis a atentados terroristas. Seria um relatório ou seria uma espécie torta de ameaça, ainda que velada? Agora, vemos a Quarta Frota dos EUA ser retomada e se insinuar pelos mares do sull depois de décadas paralisada. Junte-se a isto, a discussão recente na OTAN sobre a mudança de sua doutrina militar, cujo raio de operação deverá incluir o Atlântico Sul.
De fato, na situação atual a Marinha não tem ainda as condições para realizar uma defesa efetiva de todo o potencial de riquezas contido na plataforma continental brasileira. Esta área, agora ampliada para 350 milhas, também chamada Amazônia Azul, possui, além de petróleo, gigantescas reservas de biodiversidade sempre desafiando nossas universidades e os centros de tecnologia da Marinha para o desenvolvimento das tecnologias apropriadas ao seu adequado aproveitamento em favor do nosso povo.
Em resposta à proposta de intervencionismo ampliado da OTAN, o governo brasileiro, pela voz do Ministro da Defesa, Nelson Jobim, já afirmou que as nações desta região sul deverão capacitar-se para ter a condição de dizer NÃO quando chegar a situação de ter que dizê-lo concretamente, ou seja, tendo capacidade de defesa para fazê-lo. Sem indústria naval, sem tecnologia própria, sem indústria de defesa, não há como falar de soberania efetiva.
A retomada da indústria naval, o projeto do submarino nuclear, o reequipamento da Marinha, e, sobretudo, sua modernização, são medidas que sintonizam-se plenamente com a renacionalização da Petrobrás, sua consolidação e com medidas que recuperam o papel do estado na formulação das diretrizes econômicas. Ou seja, exatamente ao contrário dos governos neoliberais, para quem o estado deve ser mínimo.
Afinal, ricos não precisam de estado. A informação de que há centenas de navios e embarcações encomendadas pela Petrobrás, gerando milhares e milhares de empregos qualificados e com carteira assinada, reforçam o movimento sindical, a previdência, o mercado interno. Até mesmo a Escola Técnica do Arsenal de Marinha, que há 10 anos estava paralisada, voltou a ativa e está formando técnicos imediatamente contratados pela construção naval. Até a estatal venezuelana, a PDVSA, tem encomendados no Brasil a construção de 17 embarcações petroleiras. Integração produtiva latino-americana é o outro ingrediente neste episódio.
Soberania em vários quadrantes
Mas, para além desta conclusão que liga recuperação naval e soberania, o lançamento do novo navio, cuja madrinha é a cantora Miúcha, estimula a reflexão sobre outras medidas necessárias. Se era absurdo um país do porte do Brasil não tivesse uma indústria naval, também o é não ter sob controle público a indústria aeronáutica, sobretudo porque a Embraer foi produto de um esforço da poupança nacional, irresponsavelmente entregue aos interesses internacionais, quando há todo um potencial de aproveitamento da aviação regional por desenvolver aqui no Brasil.
O resultado da privatização da Embraer e sua dependência do mercado internacional foi a demissão de mais de 4 mil trabalhadores da ex-estatal quando a crise estourou no capitalismo do primeiro mundo.
Certamente, a estratégia deve voltar-se para o mercado interno. Como disse Lula no lançamento do "Sérgio Buarque de Hollanda" enquanto os EUA estão perdendo 70 mil empregos, o Brasil está gerando este ano mais de 2 milhões e meio de novos postos de trabalho. Aqui nasce uma nova classe média, nos EUA há uma erosão na classe média, que está sendo despejada, dormindo nas praças públicas…
Com a imensidão do Brasil e sem sistema de transporte ferroviário eficiente – também foi demolido – a aviação regional poderia receber um grande impulso no Brasil, mas não sem antes recuperar o controle sobre a Embraer, como está fazendo na área naval e de petróleo.
Cultura e soberania
Assim sucessivamente. Todas as medidas neoliberais resultaram em enormes prejuízos para a poupança popular, ou para a tecnologia nacional, ou para a soberania. Ou tudo junto. Se fôssemos analisar o cinema, por exemplo, quando existia a Embrafilme, cerca de 40 por cento do mercado cinematográfico era ocupado por produção nacional. Bons filmes e maus filmes, como em todo lado. Mas, havia uma indústria viva, gerando empregos, absorvendo talentos, renovando-se e superando em linguagem e em capacidade produtiva. O fim da Embrafilme jogou o cinema brasileiro no chão. Sob aplausos do cinema norte-americano que passou a ocupar 95 por cento do mercado brasileiro. E cinema também é soberania, como parte da construção da identidade nacional.
A retomada da indústria naval e do papel protagonista do estado são medidas inequivocamente necessárias. E respondem concretamente aos sinais de aprofundamento da crise nos centros do capitalismo. E bem sabemos, pela história, que as crises mais agudas do capitalismo tendem a buscar superação na economia de guerra. Por isto o intervencionismo crescente, sem que Obama possa mudar quase nada. Por isso o reforço orçamentário da indústria bélica dos EUA, a principal rubrica do orçamento, o que equivale a uma ameaça contra os países que possuem grandes reservas de riqueza, como é o nosso caso. E ainda não nos recuperamos plenamente da devastadora demolição organizada pelos neoliberais, um desarmamento unilateral, em favor dos que pretendem tomar conta dos mares, ignorando soberanias e o direito dos povos.
Há um conjunto de sinais sombrios indicando que o mundo cobrará de nós brasileiros a coragem e a rebeldia de João Cândido, da Revolta da Chibata, o almirante negro da música de Aldir Branco e João Bosco. Mas, a embarcação do Brasil Nação está encontrando o rumo certo.
(*) Beto Almeida é membro da Junta Diretiva da Telesur
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