De como o FGTS financiará o caos no trânsito carioca

...Só porque a Perimetral é feia


Com R$ 7,6 bi, em nome da revitalização do porto, Prefeitura autorizará espigões de até 50 andares

Mais do que atrapalhar o projeto de revitalização do porto, é a especulação imobiliária que quer se livrar do elevado para contruir prédios modernos, que não têm nada com a natureza da zona portuária. 

"Demolir o elevado soa como absurdo. É gastar quatro vezes o dinheiro público: uma para construir, uma para demolir, outra para fazer os mergulhões e outra para não solucionar o problema do trânsito"
Giovani Manso, professor de Engenharia de Transportes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (9 de janeiro de 2009).

"Na atual lógica, o elevado é fundamental porque é ligado a acessos à Linha Vermelha, à Avenida Brasil e à Ponte Rio-Niterói. Além disso, acho que será empregado muito dinheiro para uma cidade que tem favelas que precisam ser urbanizadas, postes caindo, bueiros explodindo e jardins mal cuidados".
Antônio Agenor Barbosa, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do  
Rio de Janeiro. (15 de julho de 2010)        

"Demolir parte da Perimetral e criar um túnel ao custo de bilhões, sem antes estudar outras possibilidades, é uma irresponsabilidade".
 Luiz Fernando Janot, conselheiro do Instituto dos Arquitetos do Brasil. (27 de novembro de 2010)

"As obras já começaram e hoje, na verdade, a gente vem aqui assinar o contrato com a Caixa num gesto simbólico do presidente, que finalmente vai conseguir tirar aquele monstrengo que é a perimetral da frente da cidade do Rio de Janeiro"
Eduardo da Costa Paes, prefeito do Rio de Janeiro. (27 de dezembro de 2010)

"Aquela é toda uma área de aterro. Se houver má conservação na drenagem e chuva forte o mergulhão pode virar piscina. O mais importante de uma obra pública é a sua funcionalidade e não necessariamente a beleza".
Weber Figueiredo, ex-presidente da SERLA e vice-diretor da Faculdade de Engenharia da UERJ. (14 de janeiro de 2011

Ia tratar dessa extravagância bilionária depois das folias do carnaval, mas não. Depois, pode ser tarde. A coisa está rolando mais rápida do que eu esperava.
Mesmo ainda sob impacto do terrível trauma das serras, mesmo com o aviso de que o cuidado elementar das cidades se tornou imperativo, exigindo a mais absoluta prioridade, mesmo diante de pressupostos tão óbvios e ululantes, o prefeito Eduardo da Costa Paes está levando adiante seu projeto de derrubar 3,9 km da principal via expressa de escoamento do trânsito da Zona Sul para a Avenida Brasil, Linha Vermelha e Niterói, com o único objetivo de "valorizar" a área portuária, que pretende converter no filé mignon da especulação imobiliária: um filé tão suculento que permitirá a construção de arranha-céus de 50 andares, de frente para o cais do porto e nas proximidades do Aeroporto Santos Dumont.
Para executar essa proeza, tem uma única alega ção: a Perimetral é feia. Quer dizer, ao invés de dar um "banho de loja" nos seus 7 km(do Santos Dumont ao Viaduto da Francisco Bicalho), como foi proposto inclusive num concurso público promovido pela própria Prefeitura, em 2004, o prefeito acha melhor gastar uma baba num projeto que tem tudo para consumir quinze vezes mais do que a "Cidade da Música". E não está sozinho no seu delírio juvenil: três dias antes de deixar o cargo, o presidente Luiz Inácio chancelou um convênio em que a Caixa Econômica Federal garante R$ 7,6 bilhões do FGTS para as obras e serviços da segunda fase do projeto "Porto Maravilha", incluindo a derrubada do elevado da Perimetral.
Espigõesde 50 andares na beira do cais
Para env olver a poupança dos trabalhadores nessa história o Conselho Curador do FGTS, presidido pelo ministro Carlos Lupi (sempre ele), mudou seus procedimentos regimentais, em junho de 2010. Com a alteração, seus recursos poderão ser aplicados a partir de agora em operações urbanas consorciadas: no caso, para financiar a obra cujo maior alvo é a demolição do elevado da Perimetral.
No pacote contra o "feio", Eduardo Paes inclui a elevação do gabarito da zona portuária para 50 andares e a construção de um túnel numa área de aterros, o que majora ainda mais seus custos, além de representar um desafio para os engenheiros. E não faz por menos: enxerta a proposta na agenda dos Jogos Olímpicos de 2016, sob a alegação de que implantará no espaço a vila que acomodará os árbitros e parte da mídia (a não credenciada) do evento esportivo.
O caos com o corte na via expressa
Para quem não é do Rio de Janeiro, uma explicação: o Ele vado da Perimetral integra o mais ousado projeto viário da cidade, tendo, entre outros méritos, o de permitir que se faça a ligação Sul-Norte sem passar por dentro das ruas centrais. Graças a ele, podemos ir de Botafogo à Santa Cruz, via Avenida Brasil (um percurso superior a 90 km) praticamente sem cruzamentos. Nesse sistema, há ainda dois fluxos sem sinal: pela Linha Vermelha, que leva até a Baixada Fluminense, e pela Ponte que liga a Niterói, São Gonçalo e Região dos Lagos.
O trecho da Perimetral começa junto ao Aeroporto Santos Dumont e vai até o encontro com o viaduto da Francisco Bicalho, sempre por cima, permitindo uma vista privilegiada do porto e da parte antiga da cidade para os 94 mil veículos que passam por ela diariamente.
O elevado começou a ser construído ainda no antigo Distrito Federal, por iniciativa do então prefeito Negrão de Lima (e não do governador Carlos Lacerda, como desinforma a mídia despreparada). Sua primeira etapa, iniciada em 1958, foi até a Igreja da Candelária. Na segunda, continuou pela Praça Mauá (contornando o Mosteiro de São Bento e por cima da Avenida Rodrigues Alves); a terceira e última fase foi a sua ligação com a Ponte Rio-Niterói, no início dos anos 70.
Com demolição do trecho da Rodrigues Alves, só uma grande revolução urbana evitaria o caos provocado pela interrupção da via expressa e o desvio de trajeto, mesmo se construissem um túnel na área de aterro, o que é considerado pelos técnicos uma temeridade de alto custo, que não compensa.
Cesar quis demolir o outro trecho e desprezou projeto para embelezá-la
A discussão estética sobre ele ganhou vulto no governo do prefeito César Maia. Em 2004, a Prefeitura promoveu um concurso sobre alternativas para melhorar o seu visual. Foi escolhida a proposta dos arquitetos Elaine Condor, Ricardo Kawamoto e Márcio Leite, que previa proteção acústica do viaduto e utilização de sua sombra na altura da Praça Mauá para um espaço de caminhadas e de convivência, além da instalação de uma iluminação cênica para agradar quem chegasse nos transatlânticos.
Apesar do conhecimento público da escolha, o prefeito Cesar Maia decidiu voltar atrás. Em vez disso, no final de 2006, determinou a realização de estudos para demolir o outro trecho da Perimetral, que vai da General Justo, no Santos Dumont, até fim da Avenida Primeiro de Março, pouco depois da Candelária. Alegava que queria valorizar a vista dos prédios históricos como o Museu Histórico Nacional, o Paço Imperial e a Igreja da Ordem Terceira do Carmo, além de revitalizar a área da Praça XV.
À época, houve uma reação dos que temiam um impacto sobre o trânsito e Cesar Maia acabou desistindo. De sobra, enterrou também o projeto de embelezamento, deixando os seus autores pendurados no pincel.
Entre os que condenaram a idéia de César, estava o coordenador do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Tráfego da UFRJ, engenheiro Paulo Cezar Ribeiro: "Hoje a Perimetral tem um fluxo enorme de veículos e já fica congestionada. Se a avaliação do impacto não for bem feita, os engarrafamentos poderiam ser transferidos para o mergulhão, o que afetaria as ruas próximas à Praça Mauá, a região em torno da Avenida General Justo e até o Aterro do Flamengo"
Idéia de demolir logo ao assumir
Eduardo Paes (ex-pupilo e hoje desafeto de Cesar) começou a falar na demolição da Perimetral ainda quando engatinhava como prefeito - no dia 9 de janeiro de 2009, bem antes da decisão sobre os jogos olímpicos no Rio. Desde então, defendia a construção de "mergulhões" como alternativas ao elevado. Na cronologia dos seus ímpetos, a derrubada da Perimetral, segundo ele esperada há 40 anos, veio junto com o discurso de revitalização da zona portuária.
Quem não tem rabo preso, nem interesse em tirar uma casquinha, reagiu na hora. No mesmo dia 9 de janeiro, o en genheiro civil e professor de Engenharia de Transportes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Giovani Manso, apontou a demolição do viaduto como um absurdo e um desperdício de dinheiro público. O técnico até admitiu que a revitalização de áreas degradadas como a zona portuária é um motivo nobre, mas lembrou que o dinheiro gasto na construção de mergulhões daria para fazer várias estações de metrô, entre outras obras.
Para ele, antes de pensar em demolir o elevado é preciso reorganizar a malha viária urbana: "Retirar essa via vai representar um impacto que a cidade não tem como substituir com nenhuma outra forma. A não ser que se fizesse toda uma reestruturação do sistema de transportes e se oferecessem alternativas de massa. Onde vão colocar 94 mil veículos por dia?".
Moradores temem expulsão da área
A demolição do elevado, orçada em R$ 1,2 bilhão (ou R $ 1,5 bilhão) será a rubrica mais cara do conjunto de intervenções na zona portuária, já iniciadas pela Prefeitura, que construiu por sua conta o acesso ao Porto pelo Caju, o que não tem nada a ver com o projeto pomposamente apregoado.
Desde junho de 2009, com uma disponibilidade de R$ 350 milhões, está em andamento a primeira fase do projeto Porto Maravilha, que conta com verba municipal e do Governo Federal e prevê intervenções urbanísticas no bairro da Saúde e no Morro da Conceição, além da construção do Museu do Amanhã e do Museu de Arte do Rio.
O início das obras sem maiores discussões provocou reações dos moradores da área, que aproveitaram a realização do Fórum Social Urbano, realizado em março de 2010, para protestar:
- Essas propostas não levaram em conta nossa opinião. Ninguém perguntou se queríamos um curso de gastronomia, quando nossa vocação é para o trabalho no porto. Da maneira vertical e até ditatorial como o projeto nos é apresen tado, eles abrem espaço para processo de "civilização", com a expulsão de moradores, tal qual no século passado" - reclamou o arquiteto Antônio Agenor Barbosa, morador do Morro da Conceição e professor da Faculdade de Arquitetura da UFRJ.
Já a arquiteta Helena Galiza, uma das organizadoras do Fórum Social Urbano, lembrou que a Prefeitura apresentou parte do projeto inicial em uma audiência pública, em meados de 2009, solicitada pelo Ministério Público Federal, mas não aceitou as alterações no projeto. "Nós ficamos sabendo das coisas pelo jornal. Um exemplo é o Píer Mauá, que já foi praça, já foi parque, área para eventos e não sei mais o quê".
Campo fértil para a especulação imobiliária
Na verdade, o que o prefeito propõe é essencialmente um grande "boom" imobiliário, - espigões a rodo - que não respeita necessariamente a natureza da zona portuária e dá um imprudente nó no trânsito, com consequências caóticas visíveis.
Eduardo Paes alardeia que será a maior "parceria público-privada" do país, mas por enquanto quem está metendo a mão no bolso é um banco oficial, que recorrerá ao FGTS, numa operação totalmente fora dos seus hábitos e costumes. (Quando a Previdência tinha sobra de caixa, também recorreram a elas para obras como a Ponte Rio-Niterói e Itaipu. E deu no que deu).
Para obter a participação dos empresários, o prefeito fez aprovar a emissão de R$ 2,5 bilhões em Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cpacs), que pagariam um total de 4.089.501,83m² de potencial adicional construtivo, leiloados no mercado financeiro. De posse desses papéis, investidores poderão construir prédios de até 50 andares, desconhecendo os limites previstos pelo PEU, em negócios conhecidos como Operações Urbanas Consorciadas.
Como a iniciativa privada não entrou com a grana necessária, o prefeito refez a negociação com o FGTS, apoiado pelo presidente Luiz Inácio, que não se limitou a apadrinhar a demolição do elevado: no dia 27 de dezembro, foi protagonista de uma encenação ridícula, em que usava uma marreta de borracha para simbolizar o início do quebra-quebra.

Pelo novo acordo, a contribuição do FGTS já não será só de R$ 4 milhões anunciados inicialmente, mas de todo o dinheiro necessário. Em troca, o fundo de investimentos do FGTS passa a administrar a emissão dos Cepacs, títulos que serão negociados no mercado e necessários para qualquer um que deseje construir no porto.
Com o convênio firmado em dezembro de 2010, o FGTS, através da Caixa, também tem prioridade na compra dos terrenos da União que existem na região. A primeira parcela de recursos do FGTS alocados no Porto Maravilha é de cerca de R$ 900 milhões e já estará disponível nesses dias.
Nessa investida típica de aloprados, na qual a Caixa disponibiliza recursos dos trabalhadores sem que seja do conhecimento publico os estudos de impacto ambiental exigidos por lei, Eduardo Paes virou as costas para as alternativas de convivência da Perimetral com a revitalização da Zona Portuária, entre elas um projeto de alunos da Faculdade de Arquitetur a da UFRJ, coordenados pelo professor Cristóvão Duarte.
Afinal, o que realmente motiva o prefeito?
Do jeito que age, é preciso ir fundo para saber qual a verdadeira motivação de sua principal bandeira para a cidade. Sua determinação de ir às últimas consequências é tal que está prometendo a reutilização de todo o material resultante da demolição do elevado, querendo com isso aludir a uma compensação que beiraria o custo zero.
Todo a estratégia para a mobilização de recursos e viabilização do projeto foi confiada ao empresário Felipe de Faria Góes, presidente do Instituto Pereira Passos, que acumula a presidência do Conselho Municipal de Desenvolvimento Econômico e a secretaria de Desenvolvimento Econômico, atropelando o petista Marcelo Henrique da Costa, que passou a cuidar apenas do "desenvolvimento econômico solidário". Góes é sócio da empresa de consultoria McKinsey, da qual se afastou para integrar a equipe do prefeito Eduardo Paes.
A entrega de todo o projeto a esse empresário de 37 anos e formação com MBA pela Universidade de Michigan pode ser um indicativo das intenções do prefeito. Ao anunciá-lo como seu super-assessor econômico, Eduardo Paes admitiu que sua principal função seria vender o Rio aos investidores.
"Ele vai atuar como uma espécie de vendedor do Rio. Terá um papel importante na visão estratégica da cidade, atraindo novos investimentos, além de gerenciar grandes projetos", disse Paes, anunciando o papel de Góes no projeto de revitalização da Zona Portuária:
"Góes terá a função fundamental de juntar as partes interessadas e desenvolver a modelagem econômica do que se pretende fazer no porto. No IPP, Felipe Góes vai gerir importantes indicadores econômicos do desenvolvimento da cidade que serão de grande ajuda na elaboração do orçamento do município e no estabelecimento de metas a serem atingidas pelo governo".
Ao ser indicado, Felipe Góes declarou que a revitalização do porto só deveria sair do papel com o envolvimento das três esferas de governo. "É um projeto de longo prazo, que terá bons resultados nos próximos quatro anos, mas que só será concluído em 8 ou 10 anos".
Ainda teria muito que escrever. Mas agora é com você. 

CLIQUE AQUI, LEIA MATÉRIA COMPLETA  e comente direto no blog.

 

 

Esta coluna é publicada também na edição impressa do jornal  

 


CONHEÇA MELHOR PEDRO PORFÍRIO. ADQUIRA SEUS LIVROS
Sem medo de falar do Aborto e da Paternidade Responsável


Opinião documentada
R$ 13,90*
Confissões de um Inconformista


Memórias
R$ 25,00*
O Assassino das Sextas-feiras


Romance realidade
R$ 23,90*
*mais despesas de correio


Nenhum comentário:

Postar um comentário