Egito - Hosni Mubarak já era

Ele vai cair. E nós com isso?...

 

Vendo as imagens das manifestações que estão acontecendo agora no Egito, a conclusão é óbvia. O regime de Hosni Mubarak já era. É uma questão de tempo até que ele deixe o poder. Com a queda de Mubarak, cairá o pilar central da política externa dos Estados Unidos: a manutenção de uma clientela de autocracias árabes que garantem a Washington acesso ao petróleo e a segurança de Israel, não necessariamente nesta ordem.

É uma mudança extraordinária, historicamente tão importante quanto a queda do muro de Berlim.

Difícil imaginar como será o futuro governo do Egito. Com certeza não será um governo da Fraternidade Islâmica, que foi usada como espantalho por Mubarak para justificar sua ditadura. Aliás, quando a ideia vendida no Ocidente de que as massas árabes eram ignorantes e, portanto, não mereciam liberdade, se desfez, o Ocidente já tinha pronto o espantalho do "islamofascismo" para justificar regimes autoritários na região.

Quanto mais os Estados Unidos utilizarem a lógica da guerra para enfrentar o terrorismo mais ficarão parecidos com a Al Qaeda. Talvez agora, com a "queda" do Egito, descubram a política… Seria interessante que antes de atirar Washington se dispusesse a aprender.

Como disse o professor Nathan Brown à revista eletrônica Salon, a Irmandade Islâmica é um movimento conservador.

Não esperem, portanto, que ela pregue a expropriação dos ricaços egípcios. Nem que o futuro governo do Egito renuncie ao acordo de paz que fez com Israel.

O que causa desespero no Ocidente, nos Estados Unidos e em Israel é que, qualquer que seja o futuro governo egípcio, jamais será tão subserviente aos interesses estrangeiros quando se trata de:

1. apoiar ações militares ocidentais contra países árabes (Mubarak apoiou a invasão do Iraque pelos Estados Unidos);

2. apoiar ações antiterroristas que envolvam tortura (Omar Suleiman, indicado vice-presidente por Mubarak, foi no Egito o homem das "extraordinary renditions", sequestros praticados pelos Estados Unidos de suspeitos, entregues em seguida a autoridades locais para sessões de tortura);

3. apoiar a repressão e o cerco de Israel aos palestinos dos territórios ocupados (Mubarak se converteu em algoz dos palestinos de Gaza).

Como Helena Cobban escreveu na Salon, o establishment das relações exteriores dos Estados Unidos foi de tal forma sequestrado pelos interesses pró-Israel que o governo Obama parece titubear diante da crise.

O primeiro impulso é de tentar preservar no Egito o regime de Mubarak sem Mubarak (daí a escolha de Suleiman como vice).

Eu iria muito além da Helena sobre o governo Obama: independentemente de quem assessore o presidente americano, a influência dos Estados Unidos na escolha do sucessor de Mubarak será limitada, já que os Washington passou os últimos trinta anos na cama com o ditador.

Mas, como a ficha da decadência relativa de Washington no cenário internacional ainda não caiu por lá, assistimos a uma cobertura da mídia americana — e, na rebarba, da brasileira — que em alguns momentos leva em conta muito mais a opinião do governo Obama do que a dos próprios egípcios.

Em compensação, nós brasileiros temos motivos para comemorar: Celso Amorim e o Itamaraty se anteciparam de forma extraordinária a Washington, quando perceberam o impacto que o afastamento entre Israel e o governo islâmico moderado da Turquia teria naquela região.

A Turquia começou a desenhar um eixo com Síria e Irã, como Pepe Escobar reportou em artigo reproduzido aqui.

E o Brasil, no acordo nuclear com o Irã, além de defender para os iranianos o mesmo que quer para si, acabou fortalecendo suas credenciais de agente de soluções negociadas.

No fim das contas, o Brasil terá aberto — ao lado da Turquia — as portas para uma eventual acomodação entre os Estados Unidos e Irã, que a essa altura parece inevitável.

O certo é que a mudança de regime no Egito terá profundas consequências, especialmente se assumir um governo disposto a fazer valer o peso econômico, cultural e político do país na região de forma independente, nos moldes do que a Turquia vem fazendo.

Uma das consequências, além de evidenciar a dissensão entre Estados Unidos e Israel na questão palestina, será acelerar o projeto de Washington de reduzir sua dependência do petróleo do Oriente Médio, o que vem acontecendo gradativamente nos últimos anos.

Até por causa da relação custo/benefício, os Estados Unidos se voltarão crescentemente para o petróleo produzido na costa ocidental da África, na Venezuela e no pré-sal brasileiro.

Nem a criação do comando militar da África (Africom), nem a reativação da Quarta Frota aconteceram por mero acaso.

Faz todo o sentido, portanto, que a presidenta Dilma Rousseff tenha escolhido a Argentina para fazer sua primeira viagem internacional. A parceria com a Argentina é essencial para o controle do Atlântico Sul, da chamada Amazônia Azul  e para as futuras trocas comerciais com a África.

Fica faltando definir quais serão exatamente os termos da futura cooperação entre Brasil e Estados Unidos e a gradação da liberdade que exerceremos.

O PIG, logicamente, quer que a gente seja subalterno, que só dê palpite sobre a falta de democracia em Cuba e que não se meta nos negócios do Oriente Médio. É "muito longe", dizem.

por Azenha

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