Musculatura

images?q=tbn:ANd9GcRYLy8oTPaivz-H5uahElpfcypYYAr5sFjBvAiO2RpOfwz3DbUpmAGovernos fortes precisam dar demonstrações de força. Governos nem tanto também. Portanto, exibições explícitas não dizem muita coisa a respeito da força real de um governo.

Muitos observadores acreditávamos que Hosni Mubarak estava em condições de dar ao movimento pela democracia um combate mais firme do que deu. No fim, viu-se que o exército egípcio estava tão ou mais a fim de se livrar dele, Mubarak.

Certa estava a secretária de Estado Hillary Clinton quando antes mesmo das últimas rebeliões dizia que as bases da estabilidade árabe vêm firmadas em areia movediça.

Não sei se ela disse exatamente isso, desse jeito, mas foi o sentido das palavras dela. Depois, a própria secretária andou rateando durante as etapas mais agudas da revolução da Praça Tahrir, mas a visão de Barack Obama compensou.

Nunca é simples nem trival diagnosticar se há mais força ou fraqueza nos gestos de um poder que, encerrado em palácio, precisa exibir grau de dureza que não permita dupla interpretação.

É o que faz o governo Dilma Rousseff neste episódio do salário mínimo. Verdade que a presidente deu algum azar, pois a pauta veio aquecida desde a campanha eleitoral, desde que o candidato do PSDB, José Serra, assumiu o compromisso de subir imediatamente o valor para R$ 600.

O que acabou permitindo uma polarização política, ajudada por atitudes do próprio governo.

A primeira atitude foi abrir uma mesa de negociação com as centrais sindicais e nela nada ter a oferecer de bom no salário mínimo. 

Mais curioso ainda foi propor o reajuste da tabela do imposto de renda em troca de os sindicalistas aceitarem a falta de aumento real para quem ganha menos.

O reajuste na tabela ajuda quem ganha um pouco mais, mas não faz diferença para os mais pobres.

A terceira foi mobilizar o ex-presidente recém saído para acusar os sindicalistas de oportunismo. É o tipo da coisa que desopila o fígado e não resolve nada.

Até porque, convenhamos, se há algo que possa ser classificado assim no comportamento dos sindicatos, é pelo menos um oportunismo em defesa de quem representam.

Eis um critério para fazer o juízo dos oportunismos e dos oportunistas na política: saber a quem serve, no caso concreto, o oportunismo de cada um.

Dilma Rousseff acabou usando a votação do salário mínimo para o diagnóstico da musculatura da administração. E todas as contas são de que a musculatura do governo vai bem.

Até porque depois do arrocho no mínimo os aliados serão contemplados com a liberação de verbas e com as nomeações de praxe, para posições que permitem liberar verbas. O sacrifício não terá sido em vão. 

O dinheiro orçamentário que deixar de ser consumido pelo ajuste do salário mínimo e das aposentadorias -ou parte- estará disponível para apoiadores do governo fazerem política de olho na reprodução do próprio poder e dos mandatos.

O resumo da ópera. Numa situação de aperto, por que gastar dinheiro com algo que vai fortalecer as centrais sindicais e a oposição? Melhor reservar recursos para as obras e serviços bancados politicamente por quem estará com o governo na alegria ou na tristeza.

Essa é a regra do jogo. Parece-lhe brutal? É assim que funciona. E o prejudicado que reclame para o respectivo bispo.

Mas tudo tem um custo. Pela primeira vez em oito anos a oposição consegue interlocução real com o sindicalismo. Não deixa de ser um começo. 

Resta saber se a oposição terá a capacidade de montar o cavalo arreado, e de continuar montada nele depois.

De todo jeito, se a oposição estava atrás de uma fresta para retomar elos com setores sociais antes cativos do PT e do governo petista, a fresta apareceu.

E a oportunidade veio num tema excelente, que permite bom discurso. Ao PT também restará um discurso: de que vai segurar o salário mínimo para combater a inflação.

Era um discurso muito usado pelo PSDB, e nunca deu voto para os tucanos. Pois é difícil o pobre se convencer de que ele é o culpado pela inflação.

Quem sabe com o PT agora vá ser diferente.
por Alon Feuerwerker

Nenhum comentário:

Postar um comentário