por Paulo Moreira Leite

José Sarney serviu e serviu-se

O senador José Sarney tornou-se a grande Geni da política brasileira. Nos último dias sua reeleição para a presidência do Senado inspirou comentários em tom indignado.

Não sou admirador de Sarney e jamais deixei de apontar as mazelas de seu império maranhense. Há mais de uma década estou convencido — com números e dados oficiais — que o crescimento político de sua família coincidiu com uma elevação da miséria e da desigualdade no Maranhão.

Mas enxergo uma imensa hipocrisia neste comportamento. Lembra a velha fábula da raposa e as uvas? É mais ou menos isso.

Sarney serviu e serviu-se da política brasileira por mais de meio século. Sob o governo Goulart, ainda no pré-64, era da UDN Bossa Nova — aquela fatia política que era conservadora, mas não deixava de abrir uma porta para se aproximar do presidente que seria derrubado pelo golpe.

Durante o regime militar, foi homem de confiança dos generais e tornou-se governador do Maranhão.

No fim do regime, Sarney foi premiado com a presidência da Arena. Saiu dali para se tornar vice na chapa de Tancredo Neves, num movimento decisivo para dar um caráter conservador a uma transição política que ameaçava ficar fora de controle depois que milhões de pessoas pediram diretas-já.

Sarney era repudiado pela massa que foi à rua mas teve direito a toda proteção daqueles que o apedrejam nos dias de hoje — pois lhes prestava serviços de grande utilidade, naquele momento.

Após a morte de Tancredo, sua posse foi assegurada pela delgada flor do conservadorismo verde-amarelo, unida ao velho coronel da Arena para impedir qualquer solavanco democrático num momento em que as estrelas da ditadura sequer podiam sair à rua.

No Planalto, Sarney teve seu momento de glória com o Cruzado mas foi incapaz de honrar compromissos de distribuição de renda. Recuou e cedeu às pressões do alto empresariado e tornou-se um dos arquitetos das opções conservadoras da carta de 88.

Sem ser incomodado por ninguém, transformou concessões de rádio e TV num balcão de negócios que até hoje se constitui no maior obstáculo a todo esforço de democratização da mídia eletronica. Apoiou a censura ao filme Je vous salue Marie, de Jean-Luc Godard. Fez frequentes demonstrações de submissão aos comandantes militares e também usou as baionetas para pressionar o país.

E assim Sarney seguiu sua carreira. Chegou a empinar a filha Roseana como candidata a candidata prsidencial na campanha de 2002, um possível nome para enfrentar o sapo barbudo Lula — teve direito a muito pão-de-ló do sistema financeiro e da FIESP enquanto este sonho durou.

Essa capacidade de adaptar-se a toda mudança nos esquemas de poder e ser útil aos governantes de plantão é um traço revelador sobre Sarney e sobre nosso sistema político. Ele aproveitou todas as brechas abertas para se acomodar e se proteger. Mas sempre contou com mãos amigas para lhe abrir as portas e garantir uma longa sobrevivência.


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