por Pedro Porfírio

Porque estou completando meio século como jornalista de carteira assinada


Naquele tempo, não havia faculdade de comunicação e os profissionais eram pinçados por sua vocação

 "Se é justo fazer as leis com maturidade, para fazer bem a guerra serve o entusiasmo... Audácia, ainda audácia e sempre audácia".

Georges Jacques DANTON, advogado e revolucionário francês (1759-1794)


 

 

 

 

 

 

 

 

Minha carteira de trabalho foi assinada em fevereiro.
Mas já em junho estava partindo para
trabalhar na Rádio Havana, em Cuba


 Lembrei-me que no próximo dia 16 de fevereiro estarei completando 50 anos de carteira assinada como jornalista.




Isto mesmo, meio século desde aquele dia em que a ÚLTIMA HORA, um trincheira daqueles idos, decidiu formalizar o contrato de trabalho. Fazia tempo, aliás, que eu trabalhava como estagiário, fazendo tudo o que um repórter faz. E quando digo repórter, falo de uma geração para a qual o jornalismo investigativo não era uma especialidade rara. Era a própria rotina.Para minha alegria, estão aí, ativos e lúcidos, os dois profissionais que me abriram as portas de uma redação-escola: Milton Coelho da Graça, hoje com 84 anos, que me pegou pelo braço e me levou ao jornal de Samuel Wainer, na Rua Sotero dos Reis, junto à Praça da Bandeira. E Pinheiro Junior, meu primeiro chefe de Reportagem, que sabia tudo de jornal e mais alguma coisa.


A data de 16 de fevereiro ape nas formalizava um contrato, quando eu ainda não havia completado 18 anos (nasci em 18 de março de 1943).


A bem da verdade, como cearense inquieto, sentei à máquina de escrever de um jornal, pela primeira vez, quando tinha 13 anos. Foi lá em Fortaleza, na TRIBUNA DO CEARÁ, que ainda usava máquinas planas de impressão. Na época, as primeiras referências naquela redação eram Tarcísio Holanda, hoje na TV em Brasília, e Osmar Alves de Melo. Eu escrevia dia sim, dia não, uma coluna chamada TRIBUNA DO ESTUDANTE.


Ao mesmo tempo, colaborava no Departamento de Esportes da Rádio Verdes Mares, então dirigido por Blanchard Girão, uma legenda do jornalismo cearense.
Preocupada com esse envolvimento precoce com o trabalho, minha família optou por internar-me no Ginásio Salesiano de Baturité, que outro dia fui ver, numa visita sentimental. Não adiantou. Lá, indignado com o sistema repressivo e com as simpatias dos padres pelo integralismo de Plínio Salgado ( só se lia o semanário A MARCHA e o mensário católico do comendador Arruda), juntei uma meia dúzia de três ou quatro colegas e fiz do giz ferramenta de comunicação rebelde. Dei trabalho ao padre Antônio Melo, diretor do colégio, ao padre Nazareno, o "prefeito" e a todos os que se surpreendiam com minhas pichações irreverentes e minhas blasfêmias.
No ano seguinte, em 1958, me levaram de volta à Fortaleza. E aí fui trabalhar, primeiro, no Departamento de Esporte da Rádio Iracema, com Francisco Alves Maia. Passei pela Gazeta de Notícias, com Dorian Sampaio, e voltei ao convívio com Blanchard Girão, agora no jornalismo político da Rádio Dragão do Mar.
Finalmente, antes de viajar sozinho para o Rio de Janeiro, pouco depois de completar 16 anos, mantive a COLUNA DO TRABALHADOR, no matutino UNITÁRIO, dos Diários Associados, indicado ao se cretário João Montalverne pelo amigo Carlos Jereissati, então deputado e presidente do PTB cearense.

No Rio, depois de passar um ano como secretário de Intercâmbio da União Brasileira de Estudantes Secundaristas, fui levado pelo Milton Coelho da Graça para a ÚLTIMA HORA.


Foi passagem rápida. Já em junho de 1961 fui convidado para implantar o Departamento de Língua Portuguesa da Rádio Havana, em Cuba. O convite, quando eu ainda tinha 18 anos, pegou de surpresa os comunistas brasileiros do velho "partidão", que se consideravam mais aptos a indicar quem deveria trabalhar na ilha, que tinha apenas dois anos de regime revolucionário.

Mal sabiam eles que a lembrança do meu nome saiu de uma conversa entre Che Guevara e Carlos Olivares Sanchez, este, então, vice-ministro de Relações Exteriores.
É o que legendário guerrilheiro ficara impressionado com meus discursos no I Congresso Latino-Americano de Juventudes, realizado em Havana, em julho de 1960. Então, eu representava a UBES, juntamente com seu presidente, o maranhense Raimundo Nonato Cruz. A UNE era representada pelo vice-presidente Arnaldo Mourhté, mineiro, e Silvio Lins, da UEE de Pernambuco.
Já então, eu també m não aceitava a tutela dos "camaradas" do partidão, que queriam me dizer o que devia dizer naquele plenário. Também não era pra menos: os representantes do PCB eram o Salomão Malina, combatente da guerra civil espanhola em 1936, e Lindolfo Silva, presidente da ULTAB, União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil, fundada por ele em 1954. Ambos podiam ser figuras respeitáveis, mas já tinham passado da idade de participar de um congresso juvenil.
Voltei de Cuba um ano depois com a ilusão de que Francisco Julião iria promover a reforma agrária no Brasil "na lei ou na marra". Troquei o Hotel Havana Livre (antigo Hilton) pelas choupanas de Itereré, onde havia algumas usinas de açúcar, das quais a mais importante era a Santa Cruz, do inglês Mister Pitmann.
Ali também passei a desenvolver um sistema de comunicação ao nível dos camponeses e virei um colaborador do jornal O SEMANÁRIO, de Otávio Costa, patrimônio das lutas nacionalis tas daquela época.

Era muito sonhador, acho. Ao organizar uma liga camponesa na região, fiz um discurso em que citava a frase de Danton: "Se é justo fazer as leis com maturidade, para fazer bem a guerra serve o entusiasmo... Audácia, ainda audácia e sempre audácia".


Mandei essa frase na mateéria publicada pelo SEMANÁRIO. Resultado: quando fui submetido a sessões de tortura a Ilha das Flores, em 1969, o torturador Solimar, mais sádico do que investigador, com o recorte do jornal na mão, me fazia repetir a frase do Danton. E cada vez que pronunciava a palavra AUDÁCIA, levava uma chapuletada que me fazia ver estrelas.
Quando estava organizando camponeses no Mato Grosso, houve uma crise entre os editores do jornal LIGA e o comando da organização - Julião e Clodomir Morais. O semanário ia bem, nas mãos de intelectuais respeitadíssimos, como Wanderley Guilherme dos Santos e Luciano Martins, contado com colabora dores como Zuenir Ventura, Ferreira Gullar e outras estrelas que não me lembro agora.

Até hoje não sei o porque do racha. Mas aceitei a tarefa de não deixar o jornal parar. Para isso, contei com a ajuda de colegas da UH, como Victor Cavangnari, Vinicius Paulo Seixas, do diagramdor Jorge Brandão (depois artista plástico famoso) e daquele Osmar Alves de Melo, que me viu de calças curtas na TRIBUNA DO CEARÁ.


Em 1963, deixei a LIGA porque resolvi casar da noite para o dia e a "organização", já rachada, achava aquilo uma maluqice. O coração falou mais alto, quando tina 20 anos, e voltei para a ÚLTIMA HORA, dessa vez convidado pelo Teodoro Barros, outro excelente caráter, por muitos anos professor da UFF.
Por falar em racha nas ligas camponesas, uma curiosidade: no grupo dissidente estava o já advogado Carlos Franklin Paixão de Araújo juntamente com seu pai, também advogado. Era uma fi gura admirada por sua integridade e por sua coragem. Carlos Araújo veio a ser mais tarde marido de DILMA VANIA ROUSSEFF LINHARES, que conheceu durante sua militância na luta armada. Ambos, depois da anistia, aliás, seguiram o mesmo caminho que escolhi - o PDT (e não o PT), mas essa é outra história.
O golpe de 64 me pegou em duas redações: na ÚLTIMA HORA, que apoiava (e se apoiava em) João Goulart; e no CORREIO DA MANHÃ, cujos editoriais BASTA e FORA, pesaram na deposição do presidente constitucional. Isto é, trabalhava para gregos e troianos.
Já no dia 24 de abril de 1964, com Samuel Wainer e Bocaiúva Cunha asilados em duas embaixadas, 22 jornalistas de UH foram sacrificados, numa limpa destinada a garantir a sobrevivência do jornal. Entre eles, lá estava eu, juntamente com João Saldanha, o Barão de Itararé, Otávio Malta e outros menos cotados.
Em compensação, o CORREIO DA MANHÃ se arrependeu do apoio ao golpe e passou a ser a trincheira contra os abusos dos militares. Aí tiveram liberdade de escrever contra o regime nomes como Carlos Heitor Cony, Otto Maria Carpeaux, Márcio Moreira Alves, Hermano Alves, Maurício Gomes Leite, Paulo de Castro, Antônio Houaiss e José Louzeiro. Incorporaram-se à resistência do CORREIO e pagaram caro por isso nomes como Artur Poerner (cassado porque seria eleito deputado em 1966), Alberto Rajão, Fabiano Vilanova (este dois cassados como deputados estaduais, juntamente com Márcio e Hermano Alves, federais).
Bem, eu só queria escrever para dizer que me sinto muito feliz em completar MEIO SÉCULO de carteira assinada como jornalista sempre fiel aos meus sonhos daqueles idos. Nada me fez mudar. Nem as perseguições, as demissões políticas nos jornais, nem a tortura de 16 dias, nem o ano e meio de cárcere, nem a marginalização profissional depois da libert ação.
Não me fizeram mudar, nem mesmo e principalmente, o convívio com o poder, os cargos que exerci na administração pública e os mandatos eletivos.

Nada. Continuo sonhando com o mundo melhor, que, para ser melhor, tem que ser justo com dirigentes livres de todo e qualquer desvio de conduta, principalmente a corrupção, a enganação e a hipocrisia.


Para registrar a passagem desse meio século de jornalismo, estou oferecendo meu livro CONFISSÕES DE UM INCONFORMISTA aos amigos que me escreverem manifestando interesse por ele. Uma certa vez, já fiz chegar o livro a muitos amigos. Tenho agora poucos exemplares: por isso, darei prioridade aos que escreverem por ordem de chegada.

No mais, devo dizer que, às vésperas dos 68 anos, ofereço como legado a mesma frase de Danton, que me custou tantos pescoções. E a certeza de que o sentimento rebelde, (a rejeição da inércia, do fato consumado, do arrivismo canalha), é o verdadeiro elixir da juventude.

 

 

Comente direto nos blogues

Sugiro que você publique o seu comentário diretamente nos blogues
 Assim, os demais destinários ficarão conhecendo sua opinião. 

www.porfiriolivre.info

 

Esta coluna é publicada também na edição impressa do jornal  

 


CONHEÇA MELHOR PEDRO PORFÍRIO. ADQUIRA SEUS LIVROS
Sem medo de falar do Aborto e da Paternidade Responsável


Opinião documentada
R$ 13,90*
Confissões de um Inconformista


Memórias
R$ 25,00*
O Assassino das Sextas-feiras


Romance realidade
R$ 23,90*
*mais despesas de correio


Nenhum comentário:

Postar um comentário