2) com os condicionantes físicos e humanos, que limitam a continuação de um projeto de longo prazo, que parece muito conveniente para o Brasil.
Desde a Constituição de 1988, quando - gostem ou não alguns fundamentalistas - a sociedade brasileira revelou suas preferências sobre a forma em que desejava organizar-se, o Brasil tem feito imenso progresso civilizatório. Esse não se deve apenas a eventuais virtudes pessoais de seus governantes mas, também e de forma decisiva, ao aperfeiçoamento de nossas instituições. Para avaliar objetivamente a realidade brasileira atual, é preciso aceitar, de uma vez por todas, que Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva já se foram. São apenas parte do passado! Cada um deles procurou cumprir o seu papel da melhor maneira que lhe foi possível, dentro dos limites políticos, físicos e humanos em que operaram.
Depois das atrapalhadas financeiras do mundo desenvolvido, é difícil deixar de reconhecer, também, que a despeito de alguns discutíveis pecados veniais, nossa situação fiscal não tem a dramaticidade que querem atribuir-lhe analistas engajados. Temos, sim, graves problemas que precisam ser enfrentados: a desestabilização das expectativas inflacionárias, resultado de pressões internas e das altas dos preços internacionais das commodities; a teratológica taxa de juro real, resultado dos antigos equívocos no financiamento da dívida interna; a supervalorização do real, consequência da própria desvalorização do dólar (que estimula, junto com a baixa dos juros real nos EUA que a sustenta, a especulação nos mercados de commodities) e do imenso diferencial entre a taxa de juro real interna e externa etc.
Isso sem falar no longo prazo (infraestrutura, previdência, gestão, acabar com a "praga" da indexação legal etc. O ponto importante, e para o qual a presidente tem chamado a atenção, é que a melhor contribuição que o governo pode dar para ajudar a resolver essas questões é uma redução imediata das despesas de custeio e melhorar a qualidade da gestão pública. São preliminares para o enfrentamento dos problemas cruciais de longo prazo.
O programa proposto em nome do governo pelos ilustres ministros Guido Mantega e Miriam Belchior procura aquele objetivo. Todos já o conhecem. Trata-se de um bom começo para o ajuste fiscal. A receita foi corrigida adequadamente e compromete-se com um corte de R$ 50 bilhões no irresponsável Orçamento votado no Congresso. Se cumprido, teremos uma redução não desprezível do aumento das despesas primárias com relação ao PIB, o que dará mais apoio à política monetária.
Não se falou, mas a estimativa da receita parece indicar que se espera um aumento da relação receita /PIB como resultado, talvez, de um maior esforço arrecadador combinado com a natural inclusão de setores da economia informal. Vai doer executá-lo, mas ele é necessário e devemos apoiá-lo.
Certamente, vai estabelecer-se uma saudável controvérsia com os "falcões" do sistema financeiro, sobre a sua "credibilidade" e sobre a magnitude de seus efeitos no dimensionamento da taxa de juros Selic, como está acontecendo, aliás, com relação à "potência" das recentes medidas macroprudenciais.
O fato auspicioso é que a qualidade da discussão dá claros sinais de que vai melhorar. Já temos imaginosas tentativas de "medir" os efeitos "substitutivos" à necessidade de manobra da taxa juros.
Não devemos, nos impressionar com cálculos que exigem cortes mais dramáticos ou que negam a existência do "efeito substituição" porque, até agora, as evidências empíricas são de incerteza absoluta. Não podemos, entretanto, ignorar que provavelmente a manobra da taxa de juros tem um efeito mais geral e eficaz sobre a "expectativa" da inflação. É uma questão de aprendizado: o mercado vai reaprender com a sofisticação da nova política monetária do Banco Central.
No final, uma coisa é certa. Na modesta economia política, quando conseguimos determinar, inequivocamente, a direção (apenas o valor do sinal, positivo ou negativo) entre a causa e o seu efeito, já sabemos muito. E não há a menor dúvida que a relação entre um maior esforço fiscal e a possibilidade de uma menor taxa de juros real é claramente positiva!
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras.
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