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Procura-se um corno

A Associação Brasileira dos Cornos (ABC) está à procura de cidadão que possa presidir a única entidade no País a amparar chifrudos

ão causa surpresa que, na vida de qualquer pessoa, haja um momento incontornável: a hora de parar. Por que seria diferente com o sexagenário José Adauto Caetano, pai de 18 filhos, marido traído por sete das oito mulheres para as quais entregou seu coração sofredor? Presidente da Associação Brasileira dos Cornos (ABC) desde o surgimento da entidade, em 1999, Adauto está decidido: quer encerrar a carreira. Encheu-se de amparar farrapos de homens esmagados pela dor na quina do juízo. Chega de servir de guarida a almas eternamente arruinadas, que amolecem feito pudim quando começam a ouvir um LP antigo do Roberto Carlos. “Basta de chifre”, desabafa numa manhã calorenta de sexta-feira.

Como num filme de ação em que o herói sai à procura do discípulo que faça sobreviver a linhagem dos bons, dando sequência à nobre missão de salvar o mundo, o líder máximo da ABC necessita de um sucessor. Um corno, evidentemente. Os desafios não são muitos, reconhece Adauto, condensando-os num só: construir uma sede para a instituição, que atende provisoriamente em uma saleta da rua Pedro Pereira, Centro. Mas está complicado deixar a cadeira que vem ocupando por mais de uma década. A razão é simples. Espécie de Lula cujo legado não encontrasse seguidores, o presidente admite: “Não há cornos qualificados para a tarefa”.

Afinal, não se ensinam homens atraiçoados a administrar a dor e instituí-la numa associação com direito a CNPJ e outros compromissos legais. A história ensina: Frank Sinatra foi corno. O escritor e jornalista Euclides da Cunha também. Há quem mencione ocorrências de menor simbolismo, como o chapéu de boi que a ex-BBB Tessália pôs no também ex-BBB Michel. E nenhum deles encarou a facada nas costas como algo produtivo ou socialmente estimulante.

A ciência diz: os cornos (as armações que enfeitam a cabeça de alguns animais) podem ser pontiagudos como os do boi, pequenos como os da girafa ou espraiados como os do alce. José Adauto garante que nada disso importa para efeito de processo sucessório. “Só interessa que ele seja corno. E traga uma garantia”, detalha, informando que, para atestar seu estado de chifrudo, o candidato tem de apresentar comprovação mínima de que, em dado momento da vida, foi passado para trás pela esposa ou namorada. De preferência, recomenda a quem pleiteia a vaga fazer-se acompanhar de testemunhas, caso em que ficaria patente sua condição.

Tudo pela lisura da transmissão do cargo, que está livre há duas semanas, quando, incentivado pela atual mulher, Adauto encarou com seriedade a resolução de se aposentar. “Estou cansado. São muitos anos dedicados a isso”, lamenta o protético de clientela escassa. E, sem motivo aparente, recorda-se de Neiva, “a responsável por tudo. Foi ela que me traiu pela primeira vez”. O presidente tinha vinte e poucos anos, barba rala e algum espírito aventureiro. Graças a ele, caiu nos braços de outra. Como paga, Neiva fez o mesmo. A brincadeira doeu mais nele que nela.

De acordo com o presidente, a Associação Brasileira de Cornos é uma “entidade filantrópica, e que, por essa razão, o Estado tem obrigação de ajudar”. Hoje, sem recursos de edital nem de fundos de caridade, os cerca de 10 mil associados (considerados os membros apenas do Ceará) não ganham nada além de consolo e ombro pra chorar. Para piorar, a sede da confraria dos pontudos é precária, sequer tem um bar com vitrola e aguardente, dois dos ingredientes fundamentais no acolhimento desses enfermos de espírito. Foi pensando nessas benfeitorias que alguém mais jovem poderia implementar que Adauto pediu concordata. Se você se encaixa no perfil exigido pela ABC, favor telefonar para (85) 8602 3783.

SERVIÇO
A ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS CORNOS fica na rua Pedro Pereira, Centro, s/n. A entidade tem cerca de 10 mil associados. Telefone para contatos: (85) 8602 3783.

ENTENDA A NOTÍCIA
A Associação Brasileira dos Cornos foi fundada como Associação Brasileira dos Homens Mal Amados, em 29 de janeiro de 1999. Segundo o presidente, a troca, sugerida por um advogado, foi motivada para que não se difamasse uma família de Jaguaribe cujo sobrenome seria “Cornélio”.

Henrique Araújo
henriquearaujo@opovo.com.br

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