Os sinos dobram por nós
A tragédia de Realengo, de forma particularmente perversa, nos fez ingressar na modernidade.
Nas duas grandes guerras do século passado – sendo que a última terminou há apenas 66 anos – as nações mais adiantadas do mundo, mais desenvolvidas, mais sofisticadas, berços de nossa cultura, se entregaram às maiores barbaridades.
De lá para cá, as coisas mudaram. Houve um tempo de conflitos locais, mas ordem universal.
Assim foi até recentemente, até 2001, quando o mundo mudou para sempre – e nós ainda só o víamos de longe.
Mas agora, enfim, estamos em dia com a loucura dos tempos modernos.
Brasileiro inocente foi assassinado no metrô londrino por homens da polícia mais civilizada, a Scotland Yard.
Não se pode mais cantar, como em London, London, que “um grupo se aproxima de um policial, e ele parece tão satisfeito por agradá-los”... isso eram os anos setenta.
Depois, prédios urbanos são derrubados por aviões conduzidos por suicidas, estações de metrô explodem, estudantes são chacinados em escolas e universidades, populações africanas são massacradas, cidades ardem em chamas na Irlanda e assim por diante.
Grandes potências, com boas ou más razões, dizimam vidas e iniciam conflitos que depois não conseguem fazer cessar. A internet universaliza o Osama Bin Laden, o terrorismo nos obriga a tirar os sapatos nos aeroportos e a intranqüilidade passou a imperar.
Mas ainda aí tudo isso era remoto, e pensávamos estar imunes a essa loucura.
Nossa violência era outra, mais racional: as milícias impunham uma ordem – podia não ser a de que falam os códigos compendiados, mas uma ordem local, aceita mas não escrita.
E a bandidagem, como a safadeza dos políticos, cabia na ordem geral das coisas.
Até que, numa escola do subúrbio, a modernidade surgiu com um louco armado agindo como agem os loucos “lá fora”... e crianças caem mortas por tiros a esmo.
Não é mais um tiro isolado que mata uma menina numa estação de metrô na Tijuca, ou a bala perdida que encontra alguém. É massacre deliberado, planejado e executado.
Não adianta buscar as causas, nem reclamar que isso faltou, ou aquilo deixou de ser feito ou existir, ou que houve exagero naquilo outro. A tragédia de Realengo não tem origem certa, nem culpados definidos. Ela está no ar que respiramos no planeta.
Diante dela só mesmo lembrando o que disse o poeta John Donne:
“A morte de qualquer ser humano me diminui, pois estou envolto na humanidade; por isso nunca pergunte por quem dobram os sinos, pois eles dobram por você”.
Edgar Flexa Ribeiro é educador, radialista e presidente da Associação Brasileira de Educação
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