por Carlos Chagas

NÃO DÁ PARA JULGAR OS OUTROS

Aparício Torelli, gaúcho, estudante de Medicina em Porto Alegre, logo ganhou horror à profissão que escolhera. Preferia muito mais  a boemia e o jornalismo. Mesmo assim, compareceu às provas iniciais, inclusive aquela vetusta e medieval prova oral, quando o aluno se apresentava perante a banca de três engalanados professores, instalados num tablado que os deixava em nível bastante superior, olhando de cima o infeliz que iriam sabatinar.


Os demais colegas tinham que assistir em silêncio o sacrifício, apavorados porque a vez deles  ia chegar.

Aporeli, como ele já se assinava em artigos humorísticos, recebeu uma saraivada de indagações feitas pelo presidente da banca, de colarinho duro e sobrecasaca, pois o ano era de 1928.

Não respondeu nenhuma, incompatibilizado que estava  com os livros. Humilhado, ouviu o mestre catedrático dirigir-se a um contínuo postado às suas costas, ordenando: 


"Seu José, traga um monte de capim!"

A ofensa não poderia ser pior, diante da classe inteira. Foi quando a verve livrou Aporelli do rótulo de "burro",  ao atalhar: 


"E para mim um cafezinho..."

Essa historinha tão galhofeira quanto verídica se conta a propósito da empáfia com que certos caciques do PSDB vem tratando os raros companheiros ainda empenhados em conduzir o partido ao leito inaugural da opção socialista de antes. Dirigem-se a eles, os doutos do Alto Tunanato, reprovando-os e chamando-os de anacrônicos trogloditas. Exortam os bedéis a buscar feixes de capim na forma de textos e  livros sobre a nova economia globalizante e neoliberal. Chegam a sustentar  o fim da História e a submissão de todos à prevalência do mais forte sobre o  mais fraco, ou à livre competição entre quantidades e valores  desiguais.

Está faltando um  Aporelli para, nesse instante, pedir também, à maneira do cafezinho, um exemplar de "O Capital", da Karl Marx...

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