NÃO DÁ PARA JULGAR OS OUTROS
Aparício Torelli, gaúcho, estudante de Medicina em Porto Alegre, logo ganhou horror à profissão que escolhera. Preferia muito mais a boemia e o jornalismo. Mesmo assim, compareceu às provas iniciais, inclusive aquela vetusta e medieval prova oral, quando o aluno se apresentava perante a banca de três engalanados professores, instalados num tablado que os deixava em nível bastante superior, olhando de cima o infeliz que iriam sabatinar.
Os demais colegas tinham que assistir em silêncio o sacrifício, apavorados porque a vez deles ia chegar.
Aporeli, como ele já se assinava em artigos humorísticos, recebeu uma saraivada de indagações feitas pelo presidente da banca, de colarinho duro e sobrecasaca, pois o ano era de 1928.
Não respondeu nenhuma, incompatibilizado que estava com os livros. Humilhado, ouviu o mestre catedrático dirigir-se a um contínuo postado às suas costas, ordenando:
"Seu José, traga um monte de capim!"
A ofensa não poderia ser pior, diante da classe inteira. Foi quando a verve livrou Aporelli do rótulo de "burro", ao atalhar:
"E para mim um cafezinho..."
Essa historinha tão galhofeira quanto verídica se conta a propósito da empáfia com que certos caciques do PSDB vem tratando os raros companheiros ainda empenhados em conduzir o partido ao leito inaugural da opção socialista de antes. Dirigem-se a eles, os doutos do Alto Tunanato, reprovando-os e chamando-os de anacrônicos trogloditas. Exortam os bedéis a buscar feixes de capim na forma de textos e livros sobre a nova economia globalizante e neoliberal. Chegam a sustentar o fim da História e a submissão de todos à prevalência do mais forte sobre o mais fraco, ou à livre competição entre quantidades e valores desiguais.
Está faltando um Aporelli para, nesse instante, pedir também, à maneira do cafezinho, um exemplar de "O Capital", da Karl Marx...
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