Amoreira do ELR

Fernanda me diz que tem em casa uma janela que dá para o quintal, onde floresce e frutifica uma amoreira. A amoreira olha para o céu, e Fernanda olha para a árvore. Às vezes sente vontade de subir e ficar lá em cima, num daqueles galhos, escondida entre as folhas.

Imagino que a amoreira da casa de Fernanda tenha folhas que recolhem tristezas, e flores que perfumam o vazio que fica no coração, por exemplo, no caso de perdas que deixam marcas. No outono, quando as folhas caem, arrastam com elas as velhas tristezas, as dores amarrotadas e as lembranças pontiagudas. E se a árvore da casa da minha leitora mineira, que mora no Sul, está sempre voltada para o céu, então é porque certamente recebe de lá uma espécie de bálsamo que reveste as folhas e que perfuma as flores.

Descubro então que amoreira é árvore do gênero Morus, a que pertencem plantas nativas das regiões temperadas e subtropicais da Ásia, África e América do Norte. Frutificam de Setembro a Novembro no Brasil, e de Maio a Agosto em Portugal. Existem as Morus rubra, alba e nigra - esta, a amora preta que, no Brasil, cresce muito bem. Há ainda Morus mesozygia, microphylla, atropurpurea, bombycis - e tantas mais. Desconheço qual a espécie da amoreira de Fernanda, mas deve ser 'amoreira de fé'. Como amigo de fé, cujo ombro está sempre ao alcance para colher um pouco que seja dos muitos momentos de pobre desamparo humano.

Disse certa vez um jardineiro-poeta que, por serem vivas, as plantas têm relação forte com a poesia. Talvez por isto haja também quem converse com elas, o que acaba resultando em plantas mais viçosas e saudáveis. Vai daí que uma amoreira de fé pode muito bem inspirar mentes e acalmar humanos sobressaltos como os de Fernanda. Que nem sei se chegou a subir na árvore, mas se o fez, terá voltado de lá com o coração mais tranqüilo. E com um pouco mais da coragem e confiança que – seres vivos traídos pelo egoísmo e a indiferença – vamos nos habituando a negar.

Quanto a mim, que não tenho quintal nem amoreira, vejo da janela do apartamento onde moro uma espatódea municipal. Fincada no concreto da calçada do outro lado da rua, não parece uma árvore feliz, como suponho a amoreira de Fernanda. Valente, apesar de maltratada, abriga pássaros comuns, e raramente aparecem funcionários da prefeitura para podá-la. Quando isso acontece, deixam quase só o tronco que, apesar da poluição e das raízes vizinhas à tubulação de esgoto, aos poucos se reveste de galhos e folhagem novos.

A árvore que vejo da minha janela apenas inspira cuidados. Diferente do que acontece com a amoreira de Fernanda, a espatódea só não se rende porque parece contar, para amenizar-lhe os maus tratos, com o canto-poema de algum bem-te-vi.