[...] dos bombeiros do Rio de Janeiro e a liberdade nossa de cada dia
Por Dida Figueiredo, pesquisadora do Ibase, no Brasil de Fato
Em vez de serem apenas livres, esforcem-se/Para criar um estado de coisas que liberte a todos/E também o amor à liberdade/Torne supérfluo! (Bertolt Brecht)
Ser livre é uma condição de existência que nenhum entre nós aceitaria abrir mão. A liberdade, em seus múltiplos significados, é um valor exaltado como singular e essencial, especialmente, em sociedades que se pretendem democráticas.
A liberdade é também um direito. Um direito fundamental! O artigo 5º de nossa Constituição assegura serem todos e todas iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza e dentre os direitos fundamentais exaltados em seu caput (início) está a liberdade.
Esse mesmo artigo determina que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei. Sim, a Constituição trata cidadãos civis e militares de forma diferente. Resquícios de um estado no qual vicejava uma ditadura militar ou necessidade de defesa? Há divergências. O que nos importa questionar neste momento é: até onde vai essa diferença? Podem 439 cidadãos serem presos pelo exercício de outro direito fundamental?
A mesma Constituição assegura, em seu artigo 9º, no qual também se enumeram, de modo não-exaustivo, direitos fundamentais: o direito de greve. Diz a norma, é “assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”. Na falta de uma legislação específica por quase 20 anos vicejou a polêmica sobre o direito de greve dos servidores públicos. Até que, em 2007, o Supremo Tribunal Federal, através dos Mandados de Injunção 670 e 708, definiu que na falta de lei específica o Congresso Nacional deveria criar a lei em 60 dias e se não o fizesse seriam aplicados aos servidores públicos as mesmas regras dos empregados privados (lei 7.783/89).
A lei 7.783/89 trata especificamente do direito de greve e, dentre outras determinações, reconhece que se considera “legítimo exercício do direito de greve a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador”, bem como que é válido “o emprego de meios pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem à greve”.
Os bombeiros do Rio de Janeiro estão lutando pelas melhorias de suas condições de trabalho. Suas reivindicações se referem ao direito à saúde (protetor solar) e direito ao trabalho (vale transporte e aumento do piso salarial que hoje é de R$ 950,00). As manifestações tomaram contornos dramáticos neste final de semana.
Há vários meses os bombeiros fluminenses tentam negociar melhores condições de trabalho sem sucesso. Há mais de dez dias, promovem manifestações pacíficas nas quais solicitam serem ouvidos pelo governador Sergio Cabral. Em protesto por não verem seus pleitos serem negociados, ocuparam o quartel central do Corpo de Bombeiros na sexta-feira. Diante da intransigência do governo do Estado, que exigia a saída deles do local sem assegurar qualquer diálogo, resolveram permanecer. O protesto era pacífico, nenhum bombeiro havia cometido qualquer ato de violência. Alguns estavam na companhia de suas esposas e filhos. No sábado pela manhã, a Polícia Militar invadiu o Quartel, lançando bomba de efeito moral e gás lacrimogêneo nos manifestantes. Duas crianças foram socorridas por terem se intoxicado. O clima se tornou tenso e houve danos ao patrimônio do quartel. Quem provocou tais danos? Os bombeiros que reagiram quando atacados de forma inesperada, ou o próprio efetivo do Bope ao praticar a invasão?
Ao todo, 439 bombeiros permanecem detidos e sem comunicação com seus advogados. O Presidente da OAB/RJ, Wadih Damous , criticou publicamente a dificuldade de acesso dos advogados aos bombeiros. Alega-se que podem chegar a serem punidos com 12 anos de prisão. Talvez mais. São acusados de motim, danos ao bem público e impedimento de socorro. De acordo com o Código Penal Militar, o motim deve ser punido com reclusão de 4 a 8 anos, o dano de bem público com detenção de 6 meses a 3 anos, e o impedimento de socorro com reclusão de 3 a 6 anos.
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