O melhor sushi do planeta


Jiro Ono tem 85 anos e 75 de sushi. Jantar no seu minúsculo três-estrelas de Tóquio custa um mês de espera e no mínimo US$ 300. Jiro agora é tema de um documentário visto pela reportagem do ‘Paladar’ em primeira mão

Olívia Fraga – Paladar – O Estado SP

Jiro Ono sonha com sushi. Levanta no meio da noite e toma nota do que viu e sentiu no sonho, com a intenção de aperfeiçoar o trabalho de 75 anos. No único domingo de folga da vida – ele odeia feriados -, deitou-se na sala para um cochilo. O filho não o reconheceu e correu para avisar a mãe da invasão do desconhecido.
O documentário Jiro Dreams of Sushi é o retrato da obsessão desse homem que, aos 85 anos, mantém estatura de gigante entre os artesãos de delícias de Tóquio, em seu Sukiyabashi Jiro. O diretor é o jovem David Gelb, que tem no currículo alguns curtas-metragens e o making of de Ensaio sobre a Cegueira, que acompanha o DVD do filme de Fernando Meirelles. Jiro Dreams of Sushifez barulho nos festivais de Cannes e Berlim e pode ser exibido aqui até o fim do ano.
Gelb visita o Japão desde criança (seu pai é diretor da Filarmônica de Nova York) e, em 2008, voltou ao país para contar em filme a história do sushi. A produção carecia de roteiro e foco até que, conversando com o chef Daniel Boulud e o crítico de gastronomia Masuhiro Yamamoto, foi convencido a fechar o cerco no restaurante de Jiro Ono, no subsolo de um prédio em Ginza.
Havia motivo de sobra: as dez banquetas do restaurante são caras e disputadas (o menu com 20 sushis começa em US$ 300; reservas, só com um mês de antecedência). Não há aperitivos nem drinques. Jiro vive de sushi. OGuia Michelin lhe confere três estrelas sistematicamente, desde a primeira edição – seus porta-vozes dizem que é impossível rechaçá-lo. “Visitei o restaurante pela primeira vez em 2008. A perspectiva de Jiro é a mais audaciosa e genial que encontrei”, afirma Gelb, em conversa com o Paladar, que teve acesso exclusivo ao filme de 81 minutos.
Com depoimentos de Yamamoto (que diz ficar ansioso toda vez que vai ao restaurante), tomadas em câmera lenta e pratos em close-up, Jiro Dreams of Sushi é food porn embalado na música de Mozart, Philip Glass e Max Richter. É Jiro, mecânico, olhando para o nada enquanto molda arroz com a mão esquerda e toca o wasabi com o polegar para besuntar o peixe na mão direita. Clientes reverentes pegando sushi com as mãos, levando à boca e fechando os olhos em êxtase.
Aprendizes obstinados – primeiro devem saber torcer toalhas quentes; depois aprendem a dissecar peixes e massagear polvos por 50 minutos. Um ordálio de dez anos até serem considerados aptos a reproduzir a textura ideal do sushi de ovo (tamago sushi), ápice da refeição e prato à beira do sumiço no Japão.
O filme ganha tons de drama familiar quando esclarece que Jiro, um “rebelde” que saiu de casa aos 9 anos, não aceita fracassos dos filhos. Ele reconhece que exigiu mais deles que dos outros cozinheiros. Yoshikazu, o mais velho, parece ressentido ao lembrar do sonho de ser piloto de avião, repudiado pelo pai. É o herdeiro do Sukiyabashi. Hoje, aos 57 anos, amanhece no mercado de peixes Tsukiji, escolhe ingredientes e os leva de bicicleta ao restaurante. Há quem diga que todos os sushis provados pelos críticos do Michelin foram feitos por ele.
Takashi, o mais novo, é dono de seu próprio restaurante, “onde as pessoas vêm porque não podem pagar o sushi do meu pai e porque têm medo dele”. Jiro, que diz sentir uma pitada de inveja do “nariz e da língua” de Joël Robuchon, ouve tudo com olhar perdido. Corpo presente, alma alheia. Talvez sonhe acordado.
3 PERGUNTAS PARA…
David Gelb, diretor de cinema

1. Você diz que os EUA ainda precisam conhecer o bom sushi. No que o filme colabora para isso?
Muita gente pensa que basta colocar peixe fresco sobre um punhado de arroz. Grandes sushimen passaram anos à procura dos melhores ingredientes – o timing do peixe e do arroz é estudado à perfeição. Espero que o filme encoraje as pessoas a escolher a hora de comer sushi – talvez comer menos e escolher melhor os restaurantes, mesmo que paguem mais.
2. Jiro tem um sucessor?Por sorte, há chefs em Nova York, Los Angeles e outras cidades com a mesma abordagem perfeccionista de Jiro. A herança está nas mãos dos filhos e aprendizes. Os dois filhos são sushimen fenomenais. Manter qualidade, entretanto, é uma batalha. Há escassez de peixe e ainda não sabemos quais serão os efeitos do tsunami.
3. O que mais o surpreendeu nas filmagens?A dedicação ao preparo do arroz. Nunca comi arroz igual ao de Jiro. Exige dosagem exata de tempo e temperatura. Jiro insiste que o arroz do sushi precisa ser servido na temperatura do nosso corpo, e não frio, para alcançar o umami, o complemento de sabores, texturas e sensações