por Luis Nassif

 A falácia dos países sem moeda própria

Mesmo depois do desastre de Domingo Cavallo, na Argentina, há defensores da moeda única entre países.

A ideia por trás disso é que alguns países não conseguem ter disciplina fiscal. Passam então a emitir moeda de forma descontrolada. A maneira de "discipliná-los" é tirar-lhes esse direito, amarrando a moeda local a uma mais forte – o dólar ou, no caso da União Europeia, ao euro.

Ignora-se o papel central do câmbio na definição estratégica dos países.

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Tome-se o caso da Inglaterra no século 18, quando se preparava para se tornar a maior potência do mundo.

Portugal recebia muito ouro do Brasil. Por conta disso, tinha uma moeda muito valorizada. A Inglaterra ansiava por espalhar suas manufaturas pelo mundo. Sua estratégia consistia em comprar produtos primários e vender produtos acabados. Por sua vez, a Índia tinha uma indústria têxtil mais forte que a inglesa.

Aproveitando a diferença cambial com Portugal, a Inglaterra montou um acordo pelo qual os vinhos portugueses poderiam ser importados com isenção, tornando-os mais competitivos que os concorrentes franceses. Em troca, Portugal abriu seu mercado. As manufaturas inglesas invadiram o país, liquidaram com as fábricas portuguesas e conseguiram em pagamento grande parte do ouro extraído do Brasil.

Com esse ouro, a Inglaterra comprou produtos têxteis da Índia, mas não para consumo próprio – pois destruiria sua própria indústria. Revendeu-os para outros países, e com a receita adquiria matérias primas.

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Não é o único caso em que o câmbio marcou a diferença. Em 1944 o Tratado de Bretton Woods visou disciplinar as relações entre as moedas. O Brasil aderiu ao Tratado definindo a paridade da sua moeda em relação às demais. Só que este levou quatro anos para ser implementado. Nesse intervalo, houve inflação no Brasil que não foi levada em consideração. Consequência: até meados dos anos 60, o país viveu infindáveis crises cambiais que atrasaram o desenvolvimento industrial brasileiro.

No pós-guerra, a recuperação das economias da Itália, Alemanha e Japão foi impulsionada por câmbio desvalorizado. Assim como o grande milagre coreano: o que o precedeu foi uma moeda desvalorizada. Tanto assim que grandes economistas conservadores dos anos 50, como Eugenio Gudin e Roberto Campos, defenderam medida dessas para o Brasil.

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No caso argentino, Cavallo amarrou o austral ao dólar. O câmbio apreciado liquidou com a indústria local, empobreceu a população, derrubou a arrecadação fiscal. Mesmo assim, as províncias emitiam dívida até para pagar salário. Liquidou-se com a economia argentina sem disciplinar o gasto fiscal.

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O mesmo está ocorrendo com os países europeus imersos em crises terríveis. Se não estivessem amarrado ao euro, Grécia, Portugal, Espanha e Itália desvalorizariam suas moedas, ganhariam competitividade e teriam mais condições de enfrentar a crise atual. Sem o manejo do câmbio, afundam.

Pior que uma moeda sem flexibilidade é ter a flexibilidade e permitir que o câmbio destrua a indústria brasileira – como está ocorrendo agora.



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