Após anos de intrigas e disputas encarniçadas, desde que chegou ao poder federal, a corrente Construindo um Novo Brasil (CNB), atual denominação do antigo Campo Majoritário do PT, realizou no último fim de semana um seminário de fazer inveja aos do tempo em que a sigla frequentava o noticiário da política e não o da polícia. Foram dois dias, sábado e domingo, em São Paulo, nos quais reapareceu um José Dirceu menos aflito com os desdobramentos do processo do mensalão e mais preocupado com o projeto político de longo prazo do PT. Uma espécie de reencontro com as raízes.
Dirceu não foi a única surpresa do seminário preparatório do CNB ao Congresso partidário a ser realizado em novembro. Outra foi a decisão da maioria do PT de não acabar com as prévias, como muito cacique andava defendendo nos últimos dias. Mas elas serão restringidas, haverá critérios para se submeter ao colegiado petista a lista dos pré-candidatos. Há tucanos pensando em revitalizar o PSDB, a partir da cidade de São Paulo, por meio de prévia. Não deixaria de ser uma ironia.
Talvez por estar de chegada de um seminário no Uruguai, Dirceu impressionou com um discurso globalizado e defendeu uma articulação dos partidos de esquerda da América Latina. Fez comentários sobre a China – um tanto preocupados -, a crise europeia, especialmente Grécia e Portugal, o desemprego nos EUA e a possibilidade de um calote norte-americano, como se especulava àquela altura.
Ex-ministro diz que Dilma enfrentará crise como a de 2008
Dirceu demonstrou um bom conhecimento do governo Dilma, do que está sendo feito e do que se planeja fazer, como deixou claro, em seguida, ao analisar os seis meses da presidente. O ex-todo-poderoso ministro da Casa Civil (sucedido por Dilma) do primeiro governo Lula classificou o governo de Dilma como sendo efetivamente de "continuidade" e se mostrou seguro de que a presidente saberá enfrentar a atual crise internacional como Lula enfrentou a crise financeira de 2008.
Segundo Dirceu, assim como Lula, a presidente Dilma está preparando tudo o que é necessário, para o caso de a atual crise contaminar o Brasil. Mas usou uma imagem curiosa ao tratar dos dois casos: talvez o que fosse necessário para um fazer (Lula), não fosse o mesmo para o outro (Dilma). Dirceu tem razão – o país é hoje muito mais exposto a um eventual calote americano do que aos papéis tóxicos que em 2008 levaram à quebradeira bancária.
Palavras de Dirceu, de acordo com um ouvinte atento, que em outros seminários já havia se desinteressado e deixado de prestar atenção ao que dizia o ex-ministro: assim como o presidente Lula conseguiu fazer com que a crise de 2008 não fosse sentida – ou pouco sentida – a presidente Dilma também vai fazer com que o país se saia tão bem, muito embora as duas crises sejam de natureza diferentes.
Dirceu está com Dilma. E quer que o PT esteja com a presidente. E na atual conjuntura, entende que o partido deve olhar para seu projeto mais duradouro, de longo prazo. O partido já domina com maestria as questões eleitorais. Sabe fazer coalizões eleitorais, às quais era pouco afeito, sabe fazer frente e agora precisa ter um projeto político que tenha mais preocupações filosóficas de longo prazo do que ficar no rame-rame eleitoral.
Em resumo, fechar uma proposta política que compreenda a realidade a que o partido está submetido. O PT teme a adesão em escala, como ocorreu com o PSDB, por exemplo, quando a sigla esteve no poder. São em geral carreiristas pensando em conquistar o poder por meio de uma sigla que se tornou popular, mas não na próxima eleição, nem na seguinte. Mas em 20, talvez 30 anos.
É curioso o desempenho e a atenção que José Dirceu despertou no seminário do CNB. O ex-ministro, na realidade, nunca é personagem ignorado na sigla, mas passou boa parte desses anos, desde que saiu do governo em 2005, alternando momentos de euforia e depressão. Algumas vezes era o Zé Dirceu "arrogante", dono do governo ao qual as pessoas estavam acostumadas. Em outras, queixava-se de que sua simples presença deixava constrangidos velhos amigos. Sábado era o Dirceu das utopias que tanto encantam o PT.
Nos chamados meios jurídicos de Brasília, os advogados que frequentam os tribunais superiores, em sua maior parte, dizem que ele será absolvido no processo do mensalão, por falta de provas, se o julgamento for eminentemente jurídico. É verdade que o procurador-geral da República, Antônio Gurgel, carregou nas tintas nas alegações finais contra Dirceu. O que eram algumas páginas na denúncia do procurador Antonio Fernando – que o classificou de "chefe da quadrilha" -, se transformaram em mais de 100 no parecer de Gurgel.
Gurgel, aparentemente, não tinha saída: havia o parecer de Antonio Fernando, e dias antes dele dera um parecer dizendo que Antonio Palocci não cometera tráfico de influência ao prestar consultorias milionárias, na condição de ex-ministro e de deputado influente no governo petista. Mas ao carregar nas tintas contra Dirceu, contra quem muitos advogados nâo vêem provas concretas, pode ter aberto a porta de sua absolvição e dos outros acusados de integrar a quadrilha do mensalão.
O que não está claro é se será pior ou melhor para José Dirceu ser julgado num ano eleitoral (2011 tem eleição municipal), quando as paixões em geral prevalecem à razão. O certo é que Dirceu tem planos e projetos para o futuro, o que será facilitado por uma eventual absolvição. Caso contrário, alguns juristas acreditam que ele cai na "ficha limpa" e só poderá disputar uma eleição em 2018.
Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília
E-mail raymundo.costa@valor.com.br
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