Trechos de artigo de Richard Sennett, professor de sociologia na London School Economics
1. Uma cidade é um lugar em que as pessoas podem aprender a viver com desconhecidos, compartilhar experiências e interesses não familiares. A uniformidade embrutece enquanto a diversidade estimula o espírito. A cidade também oferece a seus moradores a possibilidade de desenvolver uma consciência de si mais complexa e mais rica. Não são submetidos a um esquema de identidade imutável. As pessoas podem desenvolver imagens múltiplas de suas identidades, na medida em que o que são varia de acordo com as pessoas com quem convivem. Aí está o poder da diversidade - a liberdade de uma identificação arbitrária. Com relação a isso, os arquitetos e os urbanistas têm novos desafios pela frente, pois a globalização revolucionou o modo de produção, permitindo aos assalariados trabalharem de maneira mais flexível. E obrigando-os a viver a cidade de uma outra maneira. 2. Há mais ou menos 20-25 anos, as empresas começaram a se revoltar contra a pirâmide weberiana. Tentou-se "diluir", suprimir, alguns postos administrativos (utilizando as novas tecnologias da informática para substituir os burocratas) e acabar com a prática da atividade fixa para substituí-la por equipes que trabalham em períodos curtos e tarefas específicas. Nessa nova estratégia, as equipes entram em competição umas com as outras, procurando satisfazer o mais rápido possível os objetivos fixados pelo topo da hierarquia. Não se trata mais de cada trabalhador ocupar um lugar específico em uma cadeia de comando bem definida. Assiste-se à duplicação das tarefas: equipes distintas confrontam-se para fazer o mesmo trabalho de forma mais rápida e eficiente. Dessa maneira, a empresa pode atender melhor às evoluções da demanda. 3. A palavra de ordem nesses locais de trabalho "flexíveis" é: "Nada a longo prazo!" Os planos de carreira foram substituídos por empregos que consistem em efetuar tarefas específicas e limitadas. Terminada a missão, o emprego é muitas vezes suprimido. No setor de alta tecnologia do Vale do Silício, a duração média de um emprego é de oito meses. As pessoas mudam constantemente de parceiros profissionais. As teorias modernas da gestão de empresas sustentam que o "prazo de validade" de uma equipe não deve ultrapassar um ano. Mas a flexibilidade não leva à solidariedade e tampouco proporciona a democracia. É difícil sentir-se envolvido em uma empresa que não tem a natureza bem definida; é difícil agir com lealdade em uma instituição instável, que não demonstra ser leal com você. Os dirigentes de empresas descobrem que a falta de envolvimento se traduz em uma redução da produtividade e uma certa indiferença à noção de confidencial. A ausência de solidariedade, que é explicável pelo princípio "Nada a longo prazo", é um fenômeno bem mais sutil. As taxas de mobilidade geográfica passam a ser muito elevadas entre os trabalhadores que vivem a flexibilidade. O temporário é o único setor do mercado de trabalho com crescimento rápido, levando os assalariados a mudarem de casa com frequência. 4. Alguns especialistas em estudos urbanos sustentam que, para essa elite, o modo de vida na cidade tem mais importância do que seus empregos. Alguns bairros - chiques, com restaurantes na moda e serviços específicos - substituem a própria empresa como ponto de referência. A segunda expressão do novo capitalismo é a padronização do ambiente. Há alguns anos, o diretor de uma grande empresa do setor da nova economia - durante uma visita ao Chanin Building, em Nova York, um palacete art déco, com escritórios ultramodernos e espaços públicos esplêndidos - declarou: "Isso não seria conveniente para nós, as pessoas poderiam se ligar exageradamente a seus escritórios, poderiam se apropriar deles." 5. Paralelamente a essa "arquitetura-envelope" assiste-se à padronização do consumo público - uma rede mundial de lojas que vendem os mesmos produtos nos mesmos tipos de espaço, seja em Manila, no México ou em Londres. É difícil se afeiçoar a uma loja específica da cadeia Gap, ou de uma Banana Republic; a padronização produz a indiferença. As cidades deixam de oferecer o desconhecido, o inesperado ou o estimulante. Do mesmo modo, as experiências de uma história compartilhada ou de uma memória coletiva desaparecem diante da neutralidade dos espaços públicos. O consumo padronizado acaba com as referências locais do mesmo modo que o novo local de trabalho mina a memória interiorizada, compartilhada pelos trabalhadores. |
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