O fim de um ciclo

O quadro internacional sofreu mudanças significativas em 2011. A crise europeia tem encoberto uma crise maior: o fim do ciclo liberal hegemônico desde o final dos anos 70 com a ascensão de Thatcher no Reino Unido. Nesse sentido, a crise financeira de 2008 vai muito além da irresponsabilidade e da especulação. A questão do Euro -déficits e dívidas-, nesse sentido, é uma crise conjuntural grave e a ponta visível daquele final de ciclo.
      
Quando se fala em reforma institucional da União Europeia, com perda parcial de soberania dos países sobre suas políticas fiscais, há que se lembrar que o orçamento é a razão histórica de ser dos parlamentos. Portanto, a perda parcial de soberania seria dos próprios parlamentos. Isso aponta para um ciclo que começa a ser desenhado, com instâncias coletivas de ampliação da esfera estatal.
        
A decisão de responder a crise das dividas com restrições orçamentárias, gera uma restrição internacional ao crédito para evitar efeitos multiplicadores adicionais e um processo recessivo que atravessará 2012, pelo menos. Seja pelo canal comercial, seja pelo canal creditício, as economias fora do eixo dos EUA-Europa já sentem as consequências. No caso do Brasil, se conjuga esse quadro internacional com os efeitos internos de 2010, da irresponsabilidade fiscal, da bolha creditícia, da perda de competitividade industrial e da insegurança cambial, todos com reflexos inflacionários.
        
A América Latina continuou navegando sem sinal de tendência. Piñera no Chile, Santos na Colômbia e Molina na Guatemala apontaram para a direita. Humala no Peru, Ortega na Nicarágua e Cristina Kirchner na Argentina reforçaram o populismo. Este quadro e as provocações lançadas contra os EUA terminaram isolando a América Latina, incluindo o Brasil, por sua heterodoxia externa. A China, o Irã e a Rússia avançaram sobre o continente, em especial a China, que se tornou o principal parceiro comercial da América do Sul.
        
O silêncio dos EUA em relação à crise europeia apenas ratificou sua cada vez mais clara preferência pelas relações com a Ásia. A associação de livre comércio dos EUA com países asiáticos, que em breve incorporará o Japão, e que incluiu o Peru e Chile, países do Pacífico, é contundente demonstração disso. A própria tranquilidade em relação ao pós-primavera árabe, a saída do Iraque, mostram que a atenção dos EUA estará concentrada no Irã e na defesa de seus parceiros e espaços estratégicos como a Arábia Saudita e Israel.
        
A política externa europeia teve um forte ajuste em relação ao norte da África (com a decisão da IDC-internacional democrata de centro- e do PPE -partido popular europeu- que tem a maioria no parlamento europeu e onde está a maioria dos governos europeus), ao entender como parte do processo democrático a vitória dos partidos islâmicos e passar a estabelecer, naturalmente, relações interculturais e inter-religiosas com os partidos islâmicos, incorporando aqueles que assim quiserem à própria IDC, como já ocorreu com o partido da Independência do Marrocos no final de 2010.
        
Nesse quadro internacional jogam-se novas  estratégias, onde o amadorismo, o voluntarismo e a excitação que tem caracterizado a política externa brasileira só produzirão abraços, tapas nas costas, e isolamento da mesa daquelas decisões estratégicas.
[...] por Cesar Maia


Nenhum comentário:

Postar um comentário