Pig: 2 pesos duas medidas

Jogo de dois pesos, duas medidas

Já se vai uma semana desde o lançamento do livro "A Privataria Tucana", no qual o jornalista Amaury Ribeiro Jr. relata, com base em farta documentação, o processo de privatização das telecomunicações, ocorrido no governo tucano de Fernando Henrique Cardoso.

É fato que as privatizações até hoje não foram passadas a limpo, o que alimenta a nebulosidade e as especulações em torno desse processo de dilapidação do patrimônio público brasileiro.

Mas o tratamento dado pela grande mídia ao livro desnuda algo que venho dizendo há algum tempo: os dois pesos e as duas medidas no noticiário desses veículos. A maior parte deles silenciou ou dedicou espaço ínfimo ao conteúdo do livro, como se quisessem transmitir a ideia de que não é notícia um livro que se esgota em 24 horas e que é o mais completo levantamento das falcatruas e desvios de dinheiro ocorridos nos anos de privatização tucana, de tantas repercussões negativas na história recente do país.

O personagem central do livro é o ex-governador de São Paulo, José Serra, apontado pelo jornalista como o principal favorecido no processo de privatização. Serra foi candidato a presidente duas vezes derrotado (2002 e 2010) e é o preferido dos grandes grupos de mídia do país.

O enorme silêncio contrasta com a recente onda de denuncismo sem provas dos últimos meses, que tomou conta destes mesmos meios de comunicação. Os mesmos veículos que hoje negam a seu público informações sobre o processo de privatização, ao menor indício ou acusação verbal de desvio, promoveram —e ainda promovem— verdadeiras cruzadas, exigindo a demissão de ministros.

O jornal Folha de S.Paulo foi além: mudou inteiramente a forma como trata denúncias desse tipo. Publicou matéria questionando a credibilidade e os antecedentes do jornalista Amaury Ribeiro Jr., o que não fez com nenhum outro denunciante nos casos de ministros ou no caso do governador do Distrito Federal.

A Folha concede espaço de direito de resposta aos acusados, chega inclusive a reproduzir declarações de 2002 de um deles se defendendo — o ex-diretor do Banco do Brasil, Ricardo Sérgio Oliveira, ligado a Serra e apontado no livro como beneficiário de depósitos em paraísos fiscais na privatização das teles.

Mais inusitado ainda é o jornal assumir a defesa dos acusados, ao escrever que, de fato, há documentos comprovando o depósito em nome de Ricardo Sérgio, mas que não há provas de relação com a privatização.

Em suma, o jornal dá aos acusados o espaço de defesa que nega aos demais, contrastando com todas as matérias que fez nestes últimos meses, quando jamais usou esse critério da ausência ou não de provas. É como se a presunção de inocência valesse só para as pessoas mais próximas ao jornal — e, por extensão, aos demais jornalões.

Quando, na prática, não exige investigação e tenta desqualificar o livro, o jornalista e as denúncias que ele traz, o jornal atira no próprio pé, pois revela que as cobranças, acusações, linchamentos públicos e afastamentos de cargos só valem para os adversários do PSDB.

Pensar em equilíbrio e isenção na cobertura jornalística é colocar essas questões na mesa. Se há lado, que se assuma publicamente, como muitos veículos de comunicação fazem ao redor do mundo e não é demérito, mas sinal de honestidade com seus leitores e a sociedade.

Não se pode condenar sem provas, sem direito à defesa ampla e antes do término da decisão judicial, mas igualmente é inadmissível a leniência e o favorecimento de alguns.

Para além do jogo de dois pesos e duas medidas explicitado pela grande mídia neste caso, é preciso elogiar o papel da Internet, pois mesmo com pouco espaço nos jornais ou nos grandes portais, o livro e seu conteúdo vêm sendo debatidos intensamente nas redes sociais, em blogs e veículos independentes.

Isso mostra como os donos dos grandes meios de comunicação não detêm mais o monopólio da informação e que, hoje, é preciso um esforço muito maior para abafar um fato de interesse público.

Felizmente, o acesso aos fatos não depende mais exclusivamente desses meios, está cada vez mais nas mãos dos cidadãos. Como que um recado que a sociedade dá de que, no lugar do jogo de dois pesos, duas medidas, espera investigação dos fatos que envolvem essa página tão nebulosa de nossa história recente que foram as privatizações dos anos 1990.

por Zé Dirceu

2 comentários:

  1. Como já postei aqui diversas vezes bem como no Blog do José Dirceu e nunca tive uma resposta.

    SE ESTAS DENUNCIAS SÃO VERDADEIRAS POR QUE O MINISTÉRIO DA JUSTIÇA EM NOVE ANOS DE GOVERNO LULO PETISTA NUNCA TOMOU NENHUMA PROVIDÊNCIA DE PROCESSAR OS CRIMINOSOS?

    POR QUE EM NOVE ANOS DE GOVERNO LULO PETISTA A BASE DE APOIO DO GOVERNO NO CONGRESSO NACIONAL NUNCA INSTALOU UMA CPI PARA INVESTIGAR ESTE CASO?

    A RESPOSTA SÓ PODE SER UMA - O PT É CONIVENTE COM O CRIME.

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  2. Nome: José Hildeberto Jamacaru de Aquino - 16/12/2011 - 12:46
    Caro Zé,
    Curioso! Tão logo o nosso então líder (Lula) assumiu, eu, como tantos fervorosos militantes do ex PT ansiávamos pra que o caso das privatizações da era FHC, fosse "passado a limpo" como ainda hoje você invoca. Ledo engano! Por que? O quê de tão grave houve que preferiram deixar pra lá? Faltou-lhes coragem ou os nossos argumentos eram falhos? Será que em nome da tal "governância" valeu tudo? Por que abafaram? A verdade é que o ex PT que hoje também privatiza nivelou-se (e por baixo) com os demais partidos, aliás, refugou suas convicções ideológicas em troco do poder a qualquer custo. O "eu" do Lula prevaleceu. Aliás o Lula nunca foi de esquerda e não fez questão de esconder. A ele só o poder interessava, e a qualquer custo, mesmo que tivesse de se conluiar com os da pior espécie da política nacional, o poder. Agora sai você atrás desse ou daquele livro para querer descaracterizar esse ou aquele veículo da imprensa. Ela tem seus pecados tanto quanto os do que agora "governam' . Por que Zé???

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