Carências generalizadas


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No dicionário, é a falta do preciso. Ou do que preciso? Carência é também privação. De quê? De um abraço, um beijo, uma mensagem, atenção? Carência de ser amado? De ser querido?Carência também é necessidade. Necessitar de alguém esperando? De alguém vindo buscar? De vir deixar? De ficar? Carência de um brinde, de duas taças se tocando, de um vinho, qualquer vinho agitado antes do primeiro gole para o primeiro brinde... Carência é irmã gêmea da baixa estima porque ambas são da mesma família: a tristeza! Não sou autoridade para dar conselhos, principalmente a quem não me pede, mas se pedisse, seria mil vezes mais delicado porque envolve uma certa dose de responsabilidade nas conse-quências que possam advir de qualquer conselho seguido. Carência é uma coisa muito pessoal, muito de dentro da alma, de um estado de espírito que chega sem avisar e vai ficando sem ser desejado.

É preciso ser forte. Em qualquer lugar porque carência, baixa estima, tristeza, solidão são coisas universais, desconhecem fronteiras, credo, raça, cor, cultura. As carências não são contagiosas, mas atingem e incomodam, principalmente a quem não pode fazer nada. A baixa estima, não. Às vezes, basta uma palavra sincera, uma frase inteira, nos casos mais graves, um pouco de atenção ou uma luz que se acenda. O pior de uma carência, seja ela qual for, é que ela nunca está na outra extremidade de uma vaidade tola, uma inveja ridícula, uma necessidade boba. As carências geralmente envolvem as coisas do coração, reverberam nos sentimentos maltratados, nos ostracismos a que muitos são relegados e não tem nada a ver com a crônica diária da pobreza, da miséria. É sempre coisa ligada ao desamor, à desatenção, à frustração, às decisões mal tomadas e, muitas vezes, aos arrependimentos tardios que deixam sequelas profundas, irreversíveis, incorrigíveis. Aqui e ali, vulgariza-se uma carência confundindo-a com uma necessidade passageira: "coitadinho, tá carente, tá, bebê? Vem cá, vem. Quer um beijinho" Isso não é o reconhecimento de uma carência séria, é a frescura da desculpa para debochar uma tristeza e tristeza não significa necessariamente uma carência.

Uma tristeza é genérica. Uma carência é específica. Muitas vezes, acordei no meio de várias madrugadas e olhei para a outra metade de uma cama que me pareceu enorme. O vazio pesado me preencheu a saudade com mil lembranças perfumadas. Uma certa ausência era justo a falta do que precisava, nem que fosse só naquela madrugada, só naquele momento, nem que fosse apenas para preencher uma vontade enorme de sentir o mesmo gosto na mesma boca de seda. Depois, é acordar para a realidade e ser sacudido pela razão, pela coerência, respirar fundo e deixar pra lá. "Melhor que não esteja aqui..." Fica o consolo e nenhuma confissão de arrependimento se faz necessária, mesmo dentro da cumplicidade do silêncio absoluto. As carências fustigam, insistem, incomodam, perseguem e, na maioria das vezes, são compulsoriamente esquecidas ou deixadas de lado porque a mente se ocupa de outra coisa. É preciso manter a mente ocupada, construir, reconstruir, fazer e desfazer, planejar, pensar bobice, mas não deixar que certos vazios se apoderem das nossas mentes vulneráveis.

As carências sempre existiram e vão existir sempre, mas dificilmente, muito exageradamente dificilmente, alguém morre de carência, tirante comida, água. Defina um ponto, faça um traço, comece a caminhar, vá em frente, apresse o passo, saia do compasso sem fazer o que faço e fuja para bem longe, o mais que puder, para nunca ser chamado de carente, mas se alguém achar que a sua carência é de um beijinho, um abraço, atenção, renda-se e aproveite. Deixe-se abraçar, beijar e depois siga seu caminho, de cabeça erguida, sem demonstrar tristeza, por uma questão de orgulho, de amor próprio.
por A. CAPIBARIBE NETO - capi@globo.com

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