Fontes: corruptas e corruptoras


No exato momento em que a CPMI do Congresso inicia formalmente o trabalho de investigação do escândalo Cachoeira e todos os seus desdobramentos, convém lembrar que a mídia sempre foi uma entusiasmada parceira e beneficiária dos arapongas (públicos ou privados) produtores de fitas, vídeos e dossiês secretos.
A expressão “jornalismo fiteiro”, cunhada neste Observatório da Imprensa há mais de uma década [ver abaixo], não surgiu por acaso: inspirou-se na dobradinha prazenteira em que a fonte oferece bombásticas revelações desde que o jornalista privilegiado garanta não apenas o seu anonimato, mas também uma cortina de fumaça sobre os procedimentos que envolveram o vazamento das denúncias.
Nestes três lustros de denuncismo ensandecido, a mídia brasileira não parou uma única vez para discutir a promiscuidade entre jornalistas, corruptos e corruptores. Calou-se e sacramentou o vale-tudo. Se o tivesse feito uma única vez – no caso de Waldomiro Diniz, por exemplo –, teria interrompido a produção e o fluxo do material “fiteiro”, já que a arapongagem brasiliense trabalha num sistema de vasos comunicantes ao qual não estão alheios alguns repórteres ditos investigativos.
Um mínimo de transparência e nossa imprensa hebdomadária seria salva da tentação marrom que a avacalha implacavelmente. A amoralidade é a-ideológica. Em ambientes altamente impregnados pelas toxinas do poder, como é o caso de Brasília, o embate ideológico é reduzido, importam mais as conexões e os alvos invisíveis.
Aética e acrítica
Os editores de Veja abusaram do seu poder de fogo e da prática de acionar a metralhadora antes de perguntar quem vem lá. Algumas vezes ofereceram evidências consistentes embutidas na vociferação panfletária – caso da ex-ministra da Casa Civil, Erenice Guerra e mais recentemente da cúpula do DNIT. Geralmente, contentavam-se com a panfletagem.
Mesmo quando a concorrente IstoÉ embaralhou-se com a publicação de um dossiê pago por falsários – caso dos “aloprados”, em setembro de 2006 –, as cobranças concentraram-se nos supostos mandantes e na acirrada disputa eleitoral [ver, neste Observatório, “Jornalismo de quinta categoria” (26/09/2006), "A imprensa e os aloprados" (26/9/2006) e “Só a crítica genuína acabará com o ‘jornalismo fiteiro’”]. O comportamento indecoroso do rival foi omitido porque o pacto de silêncio adotado pelo patronato midiático não permite qualquer questionamento sobre a conduta jornalística dos pactuantes. Mesmo quando apostam suas fichas em interesses opostos.
Fontes corruptas são inevitavelmente corruptoras. A submissão a partidos, governos e religiões é uma forma disfarçada de embolsar propinas e aceitar suborno.
Nesta escuridão aética e acrítica só pode prosperar uma espessa promiscuidade entre a sede denuncista e a fome pelo poder. Ambas insaciáveis. Os holofotes, embora tardios, são bem-vindos. Desde que dispostos a esquadrinhar os desvãos, sótãos e porões onde se aninham os vermes que corroem os restos da “última profissão romântica”.
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A capa de CartaCapital comparando Roberto Civita a Rupert Murdoch é uma vendeta pessoal. Indecente.

por Alberto Dines  - Observatório da Imprensa 

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