“Não adianta faltar que o vigia vem pegar”
O bordão é comum entre os alunos da rede municipal de ensino da cidade sertaneja de Sobral, onde os faltosos são procurados de porta em porta por servidores que, de bicicletas ou motos, levam os estudantes de volta para a escola. Essa é apenas uma das soluções implantadas no município que tem o melhor Ideb — mais importante avaliação federal da qualidade da educação — de uma rede municipal no Nordeste.
Sobral se destaca também em levantamento feito pelo GLOBO a partir de um trabalho do economista Ernesto Martins Faria, da Fundação Lemann. Faria calculou, a pedido do jornal, o nível de pobreza de todas as escolas públicas do país. O objetivo era identificar aquelas que, mesmo trabalhando com os alunos mais pobres, conseguem atingir no 5º ano do ensino fundamental um Ideb maior ou igual a 6, considerado pelo Ministério da Educação como padrão de nação desenvolvida. Dos 82 estabelecimentos destacados, 27 são de Sobral, o que mostra que é possível garantir, em toda uma rede, e não só em escolas isoladas, um padrão mínimo de qualidade.
A “caçada” aos alunos faltosos trouxe resultados. O município conseguiu zerar o índice de evasão escolar. Outras políticas públicas também levaram a cidade a praticamente acabar com a defasagem idade-série. Foi feito, ainda, um trabalho de alfabetização na idade certa, que contou com apoio do Instituto Alfa e Beto. O percentual de crianças que não sabiam ler e escrever no 3º ano do ensino fundamental caiu de 48% para 3%.
Nas escolas visitadas pelo GLOBO, foi possível perceber que as instalações físicas são simples, e os laboratórios se restringem aos de informática. Mas não faltam material didático, livros, entrosamento entre as equipes nem professores preparados.
Bons resultados em escolas rurais e urbanas
A uniformidade nos resultados da rede pode ser vista até em escolas rurais, que costumam ter em todo o país indicadores educacionais muito piores. Mas não é o caso da Massilon Sabóia de Albuquerque, que obteve média 6,5 no Ideb de 2009. Localizada no vilarejo Olho D'Água do Pajé, ela é pequena, com instalações muito simples, mas conseguiu praticamente zerar a defasagem idade-série.
— Para ser franca, só um aluno está fora de faixa. Ele deveria cursar a 3 série, mas está na 1 porque não sabe ler, devido à vida familiar tumultuada — diz a diretora, Márcia de Souza.
O menino, como todo aluno com deficiência de aprendizagem em Sobral, é alvo de atenção redobrada, e está estudando de manhã e de tarde. A jornada ampliada, no entanto, não é só para alunos em dificuldade. No município, eles têm atividades de sobra para frequentar a escola em dois expedientes, que vão da leitura aos esportes.
O reforço é uma realidade também na escola Raimundo Pimentel Gomes, que atende 1.650 alunos e tem Ideb 7,2. As 32 salas de aula são diariamente monitoradas por quatro coordenadores, que selecionam as crianças com necessidade de reforço. Normalmente, 10% dos alunos passam por aulas extras; destes, 90% conseguem aprovação depois da ajuda, segundo o diretor, Estalber Amarante Vieira, e o coordenador Raimundo Iran Félix da Silva.
Vieira chega ao colégio por volta das 6h e só sai à noite. E, diariamente, põe na rua uma moto — outras escolas usam também bicicletas — com os servidores Fábio Melo e Eduardo Rodrigues do Nascimento. A missão é a “operação resgate”: buscar crianças faltosas em casa. Há dias em que são “resgatadas” mais de 20 crianças por turno pelos “vigias”, como são chamados pelos estudantes.
— Um pilota a moto, e o outro vai de casa em casa, saber o que aconteceu. Se o menino não estiver doente, tem que vir para o colégio. Já teve dia aqui de sair coordenador, diretor e servidores administrativos para trazê-los à escola — acrescenta Vieira.
Gestão escolar ajuda a explicar sucesso
Segundo o secretário municipal de Educação, Júlio César Alexandre, não são os recursos que explicam o bom resultado de Sobral, já que o município destina ao setor 26% de suas receitas, um ponto percentual acima do mínimo constitucional. Além de abolir as indicações políticas para cargos de direção das escolas, ele aponta gestão, planejamento, qualificação profissional e incentivo como práticas que fizeram o município dar um salto de qualidade.
Todos os professores recebem qualificação, inclusive quanto ao uso de material didático em sala de aula, que deve incluir entre sete e oito atividades. Nenhum professor entra em classe sem planejamento prévio do que vai fazer. Além disso, pelo menos uma vez por mês, os docentes passam pela Escola de Formação Permanente. São nada menos que 1.500 atendimentos por mês.
O município fez também um esforço para acabar com salas multisseriadas, em que o professor dá aulas ao mesmo tempo para alunos em diferentes séries.
— Podemos dizer que acabamos com 99% das multisseriadas. Esse sistema só sobrevive em dois estabelecimentos anexos, um dos quais tem o acesso tão difícil que só se chega lá em lombo de jumento ou de helicóptero. Para nossa sorte, temos um professor residente na comunidade — afirma Alexandre, referindo-se ao distrito de Serra Verde, onde dez crianças estudam no antigo modelo.
Há forte ênfase ainda na avaliação e no monitoramento para cumprimento de metas, com duas avaliações externas por ano, que permite obter indicadores de todos os alunos, professores e escolas.
Sobral também tem investido no professor, que normalmente tem reajuste salarial 5% superior ao das demais categorias. Como todos os alunos têm avaliações mensais, as melhores turmas terminam rendendo prêmios de R$ 250 a R$ 500 (no caso de o professor ter duas turmas) mensais, se a média da turma for superior à do município. Em 2011, foram distribuídos R$ 454 mil em prêmios para os professores, cuja remuneração também é maior do que o piso nacional da categoria: R$ 1.514,52 contra R$ 1.451.
Para a coordenadora do Programa de Educação do Unicef, Maria Salete Silva, a experiência de Sobral mostra que é possível ter bons resultados numa rede:
— Não podemos nos conformar de ter 20 escolas modelo e o restante com resultados muito ruins. É preciso ter uma ação em rede, e quem pode fazer isso é o gestor, promovendo encontros para troca de práticas, como foco no direito de aprender do aluno, e sem naturalizar o fracasso.
por Jarbas Oliveira
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