A outra metade endemovivel


Aquele que chega à porta de um coração carente de novas esperanças e tem as primeiras permissões para entrar precisa de tomar alguns cuidados: limpar os pés, deixando do lado de fora a poeira contaminante do passado sobre o qual fez outras caminhadas; apagar do coração os nomes que entraram com as promessas para sempre e depois se mostraram frívolos e passageiros.

Quando entrar pela porta desse coração pela vez primeira, esteja atento para sentir se ele está magoado; e se estiver, cuide bem para ajudar a sarar com paciência as feridas abertas. Não faça perguntas, apenas cuide sem canseira. Depois, quando estiver do lado de dentro e sentir-se confortável com a recepção, saiba mostra-se fiel a cada gesto daquela que lhe hospeda fazendo-a sentir que você dá importância por estar ali. 

Saiba estar para poder sonhar em ficar. Quando sentir segurança para sonhar com um futuro comum, não perca tempo, divida com ela seus pensamentos. Ao menor sinal de tristeza dela seja solidário e cuide sem que ela lhe peça "cuida de mim, meu amor...!" Seja agradável e atencioso, e jamais omisso. Não se deixe atrair pelas rosas fáceis de conquistas baratas, elas podem ser de plástico, são vulgares e não valem à pena.

Não traia, não se traia para nunca ser traído. É assim que um homem deve amar a uma mulher e poder gozar da felicidade de ser chamado de "meu amorzinho..." Perder uma mulher assim, acarreta uma dor impossível de suportar.

A sensação que fica quando se perde essa mulher deixa um gosto muito amargo que permanece na boca, na alma e arde no coração, dia após dia, noite após noite. Não é um gosto que pode ser comparado nem uma dor que possa ser medida. 

Cada um só descobre o tamanho da sua dor quando ela dói no fundo do coração, onde ela grita de desespero e padece sem encontrar remédio. Ninguém cura uma dor com um nome de significado único, especial. A sensação de vazio dessa perda só é preenchida com o mar de lágrimas em cuja superfície navega a nau dos arrependimentos.

A surpresa de uma despedida não anunciada, só é menor para quem cuidou das feridas sozinho e se preparou para sair dos abraços que agonizaram por falta de canções de embalar o amor, que são tão simples. Ao longo dessas carências a ardência sadia e envolvente dos primeiros desejos nas festas da paixão perdem a força e morre aos poucos. Pequenos erros e omissões acumulam-se e se agigantam um dia e mesmo que se mostrem insignificantes como uma gota d´água podem transbordar o copo da paciência.

A sensação de perda assim, desse jeito, quando não tem mais jeito, quando tudo já está consumado e a decisão ocupa o assento majestático do definitivo, o som do bastão firme que define a consumação do ato ecoa como um trovão dentro do corpo que esmorece e desfalece em meio ao pranto da agonia lenta sem conseguir mais sensibilizar. E a insensatez na recusa em aceitar esse definitivo beira o ridículo e só cabe nos espaço entre as palavras carregadas de pieguice com que se tenta amolecer o coração hirto do outro lado. "Só se dá valor ao que se perde..." - só serve de consolo nos ditos populares que trata do alheio. 

O que vai embora de dentro do coração assim sente essa dor formidável quando descobre que ficou tarde em demasia. É muito ruim perder as coisas boas do amor vivido, curtido, tido, possuído com os detalhes e as minúcias de cumplicidades perfumadas, cheias dos sons discretos dos gemidos e das sensações especiais de cada canseira depois do galope das entregas. Nesse momento, tudo fica lugubremente silencioso e depois o que se escuta são os gritos do desespero quando não há mais esperança na ressurreição do sentimento que morreu pela metade. Nenhum amor sobrevive na outra metade indemovível. 
A. CAPIBARIBE NETO - capi@globo.com

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