Poesia para o jantar


Chegou em casa uma bomba relógio. Teve um dia daqueles: o carro foi batido na metade do caminho da ida ao trabalho; a secretária faltou ao serviço e entrou de atestado médico – falso, claro, era sábado e uma vez por mês aos sábados ela adoecia; tinha uma pilha de afazeres que precisava dar conta naquele dia; nem almoçou: aqui e ali, ao longo do dia, tomou um café, frio, um suco, quente, comeu um doce, só açúcar, um salgado, só sal; ao fim do dia o chefe chegou, nem deu boa tarde, e ainda brigou: não conseguiu dar conta de tudo, teria de trabalhar no domingo; voltou para casa, de táxi, pagou uma fortuna, sentiu-se roubado; uma brisa fria roçava as plantas do jardim no início da noite e um suave rocio sobre a grama batida anunciava o clima perfeito para um vinho; flores socializavam seu perfume e inspiravam prazer; o luar acompanhou os seus passos cansados pelo caminho até a entrada da casa; correu os olhos pela sala, só uma réplica da tela a óleo de Van Gogh que homenageava a noite estrelada adornava a solidão; subiu para o quarto, só uma música de Beethoven que homenageava o luar adornava o silêncio; encontrou a amada, na cama, semidespida, com seu melhor amigo, de nome Pablo; sentiu que ia explodir, mas perguntou primeiro:
- O que temos para o jantar?
E ela, após um dia inteiro sendo consumida pelas palavras ardentes dos poemas de Neruda, e sonhar todos os instantes do dia com aquele instante em que se consumiria em chamas com o seu amado, respondeu:
- Poesia!
Fizeram amor!

Válber Almeida

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