A divulgação do "pibinho" produziu curtos circuitos variados nos analistas. E abre uma bela discussão sobre o futuro da economia.
Não se tenha dúvida: 2013 será um ano decisivo para o país. Eu disse para o país, não especialmente para o governo Dilma ou para as eleições de 2014.
Mudanças de paradigma são tão complexas e envolvem tantos riscos políticos que só ocorrem em ambientes de crise profunda ou em regimes autoritários. Tenta-se, agora, a primeira mudança de paradigma em regime democrático e sem a crise como fator de reforço.
E não é pouca coisa. Trata-se da mudança mais relevante da economia brasileira desde o desmonte do modelo militar pelo governo Fernando Collor – que acabou devorado pela pressa em conduzir as ações, descuidando-se da estratégia política.
Depois dele, entraram FHC – que se limitou a manter as bases do que Collor desenhou – e Lula, que manteve o establishment econômico, enquanto as políticas sociais prosperavam. A crise de 2008 ajudou no golpe final no modelo anterior.
O novo paradigma
As políticas sociais de Lula permitiram a construção da primeira perna de um novo modelo econômico: um mercado interno robusto. Foi um feito político extraordinário, dos mais relevantes da história do país, em que conseguiu trocar a câmara furada sem tirar o pneu.
Mas o receio de enfrentar as turbulências políticas praticamente paralisou a política econômica. A dobradinha Palocci-Henrique Meirelles foi mais nociva ainda do que Malan-Armínio Fraga, do segundo governo FHC.
A herança de 14 anos de financismo desregrado custou caro ao país. A inação com juros e câmbio, somada ao advento da economia chinesa, devastou o parque industrial brasileiro, atrasou por décadas o seu desenvolvimento.
Agora, tenta-se levantar a segunda perna do modelo, capaz de dar sustentabilidade ao crescimento com distribuição de renda: o estímulo à oferta interna de produtos e bens, através da reconstrução do parque industrial.
Toda a discussão atual (dentre os economistas de primeira linha) se baseia em dois pressupostos:
- A política econômica está TODA centrada no estímulo à oferta. Não se tem nenhuma dúvida a esse respeito. O estímulo à demanda é pela razão óbvia que, sem demanda, não há oferta.
- A questão em jogo é forma como essas políticas estão sendo implementadas. Os críticos julgam que de forma atabalhoada, podendo levar a desequilíbrios mais à frente. Sobre isso discutiremos mais adiante.
A lógica das mudanças
Fase 1 – desestimular os ganhos fáceis.
Ao longo dos últimos dois séculos, o Tesouro nacional foi o grande alimentador dos ganhos financeiros fáceis, na política conduzida pelo Banco Central. Na ponta do endividamento, oferecendo taxas muito acima das internacionais. Na ponta do câmbio, permitindo de tempos em tempos grandes jogadas com a moeda e com as dívidas expressas em moedas estrangeiras. Agora tem-se a Selic caindo substancialmente e o câmbio livre da flutuação suja, de sempre se apreciar. Pela primeira vez a economia conseguirá trabalhar com taxas de juros civilizadas.
Fase 2 – tornar mais atraentes os investimentos na economia real.
Nesse quesito entram as medidas de capitalização do BNDES, o aumento da oferta de crédito, de ampliação dos prazos, a desoneração da folha de salários de muitos setores, a manutenção de isenção fiscal, a criação de novos instrumentos financeiros etc.
Fase 3 – trocar a rentabilidade excessiva pelos ganhos de escala.
Está-se atuando sobre a margem de lucros dos setores horizontais, aqueles que impactam o custo Brasil como um todo. Entram aí os spreads bancários e as concessões públicas.
No caso dos serviços públicos, ampliou-se de forma inédita as possibilidades de participação do capital privado, melhoraram diversos fatores que influíam no custo final (custo de financiamento, tributação, incertezas contratuais etc.). Ao mesmo tempo, reduziram-se suas margens. Quem quiser ganhar, será na escala, na ampliação da oferta.
No caso dos bancos, tomaram-se medidas de estímulo ao crédito. Na outra ponta, os bancos públicos puxaram um movimento inédito de redução dos spreads.
Gradativamente, a Tesouraria vai sendo trocada pelos ganhos operacionais.
Em 2012 foram tomadas as seguintes medidas de estímulo à oferta e de desestímulo ao rentismo:
Medida
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Grupo 1
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Grupo 2
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Grupo 3
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Desestímulo às operações especulativas
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Melhoria do ambiente econômico
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Troca de margem por escala
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Juros: redução expressiva da taxa Selic.
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Dívida pública: redução como proporção do PIB liberando recursos para outras aplicações
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Câmbio: melhoria da paridade dólar-real e fim da flutuação suja para baixo, reduzindo espaço de arbitragens.
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Investimento: aumento dos repasses para o BNDES, ampliação dos prazos, novos instrumentos de investimento.
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Crédito: flexibilização do compulsório e redução do spread bancário, graças ao efeito-indução dos bancos públicos.
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Estímulos fiscais: desoneração da folha em vários setores, isenção do IPI para vários produtos, reforma do ICMS interestadual.
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Ampliação das concessões e redução da margem de lucro.
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Investimentos públicos: menos superávit primário e investimentos do PAC imunes a contingenciamentos.
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Ampliação da defesa comercial
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O efeito-defasagem
À política econômica cabe pensar o todo, definir o novo papel dos agentes econômicos e sociais. Para tanto, utiliza-se todo um aparato de medidas fiscais, monetárias, leis, concessões e outras formas de indução.
Nesses movimentos, mexem-se com práticas consagradas, com interesses consolidados. Todos acabam saindo da zona do conforto. E à atoarda dos incomodados o governo precisa responder com um discurso lógico, que permita unificar as ações tanto do setor público quanto do privado, e reforçar a aposta no futuro.
Quando se tem uma mídia descolada do processo, a dificuldade é maior ainda.
Potencializam-se as reclamações, escondem-se os avanços e, principalmente, não se divulga a lógica do processo e as explicações para os problemas da passagem. Ao público midiático chega apenas a confusão, não a construção. O ar condicionado do Galeão acaba tendo mais repercussão do que a tarefa de entender e difundir modelos complexos. As perdas dos geradores de energia ganham mais espaço do que os benefícios que se espalharão por toda a economia.
Ao mesmo tempo, a transição provoca uma paralisação temporária nas empresas até que os agentes econômicos saibam como trabalhar dentro das novas regras.
Sem fórmulas prontas
Uma das maiores falácias dos cabeças de planilha é pretender que todos os fatores estejam organizados, para então deflagrar a mudança. Essa organização prévia só existe na planilha de um cabeça de planilha.
Primeiro, tem-se que produzir o choque e mudar a natureza do corpo econômico.
Nesse choque, os problemas vão sendo trabalhados à medida em que vão surgindo.
Não tem como organizar antecipadamente nada.
Muda-se o paradigma, há uma alteração de rota brusca que vai mexer com todos os fundamentos da economia. Empresas terão que modificar totalmente seus planos de negócio. Terão que calcular as taxas de retorno dos novos investimentos, mudar a cabeça dos funcionários para as novas práticas. Aí esbarrarão em problemas de infraestrutura que estão sendo enfrentados concomitantemente.
Terão que sair do curto prazo e pensar o longo. Significa sair da zona do conforto de décadas de análise financeira fácil, previsível e sem grandes ousadias.
Depois que as novas ideias ganham a direção, tem-se uma segunda etapa, que é mudar radicalmente a cabeça do corpo de funcionários, os sistemas de remuneração, o discurso de venda dos produtos etc.
Em um primeiro momento, há o impasse. Onde colocar os investimentos para preservar os ganhos de tesouraria? O mercado internacional oferece poucas oportunidades, os juros internacionais estão em quase zero, os mercados especulativos oferecem inúmeros riscos. Mais cedo ou mais tarde, essa dinheirama terá que desabar na economia real.
O desafio será administrar a passagem.
Embora tenha-se uma mídia totalmente alienada do processo, montaram-se modelos eficientes de interlocução com a economia real. Presidente e Ministros trabalham os grandes grupos; há um enorme conjunto de câmaras setoriais, em torno do MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) e da ABDI (Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial) trabalhando as expectativas e identificando os problemas das médias empresas.
Os desafios de 2013
Quem quiser mudar paradigma de política econômica, precisa ousar, porque tira empresas vencedoras da zona de conforto, tira o mercado da zona de conforto e, principalmente, tira o governo da zona de conforto.
É aposta de alto risco e há varias frentes de batalha que terão que ser administradas, muitas delas envolvendo objetivos conflitantes.
Por exemplo, o câmbio precisa ser competitivo, para ajudar na recuperação do tecido industrial. A Petrobrás precisa de margem, para garantir os investimentos do pré-sal.
Por outro lado, o controle da inflação cria limites ao uso do câmbio e aos reajustes de combustíveis.
As grandes obras de infraestrutura empregam mão de obra intensiva. Mas a formação de quadros, pelo sistema educacional, leva tempo. Criam-se gargalos. E assim por diante.
O desafio é conseguir administrar todas as frentes.