Crônica dominical de A. Capibaribe Neto

Um poste do outro lado da rua

Do outro lado da rua, bem diante da janela, havia um poste com uma lâmpada queimada. Muitas vezes fiquei ali, fazendo dela apenas um ponto para onde convergiam as imagens confusas que me atormentavam depois de ser reprovado dentro da armadilha para pegar desavisados tolos, principalmente os vaidosos carentes de massagens nos egos infantis. As palavras, que sempre disse que eram mágicas, serviam apenas para os outros, mas delas não me beneficiava. As palavras que encontrava para escrever sobre sentimentos e emoções chegavam bem-vindas nos corações alheios logo iam embora do meu. E corações vazios são alvos fáceis para os tiros certeiros de bruxas que vagueiam lépidas e fagueiras com seus cabelos tingidos, montadas em vassouras perigosas, destruindo por prazer, fazendo maldades, espalhando mentiras. Existem os bruxos, diga-se a bem da verdade, mas as bruxas rejeitadas ou esquecidas são mais comuns. E não adianta se eximir de culpa quando se tem consciência da burrice inexplicável de uma ingenuidade sem justificativa.

Se para tudo na vida existe um preço a pagar, principalmente quando se acredita ter comprado por pouco mais ou nada uma flor de plástico barato para enfeitar orgulho bobo em festa vulgar, deve arcar com os preços aviltantes das cláusulas do mal, escondidas nas letras miúdas do contrato de gaveta do criado-mudo de quarto alugado por hora. Em lugares assim, em companhias desse naipe, o homem é alvo estático e nem nota, e nem sente quando a flecha certeira lhe atravessa a honra e o põe por terra a gemer na sua agonia sem cura, na sua dor sem fim.

Do outro lado da rua, bem diante da janela, havia um poste com uma lâmpada queimada. Olhava para ele por horas, feito uma estátua de mim mesmo, como se estivesse congelado no tempo, quase sem respirar, contendo os soluços dos choros chorados de raiva, ódios santos, vontade de revidar... E parava ali mesmo. Revidar? Precisava, em primeiro lugar, vingar-me de mim mesmo. Podia ter sido meu melhor amigo, mas não escutei a voz da razão, do bom senso e nem fui humilde, e acabei por me tornar meu pior inimigo.

Vingar-me do quê? Derrubar a bruxa de sua vassoura, espremer o pus da sua maldade como se espreme um cravo num rosto adolescente? Bobagem, era tarde demais! E olhava para o poste da luz queimada, alheio a tudo que desfilava pela calçada nervosa das manhãs de sol, do amanhecer ao anoitecer, entrando pelas madrugadas desertas, dias sem fim, como uma penitência voluntária, um castigo pelo pecado de trocar uma joia rara por uma bijuteria de mercado de periferia. Até parece que nunca escrevi com a sinceridade que o coração ditou ou se permaneci cego diante das palavras que escolhia para falar de amores e paixões. E agora estava ali, diante do poste do outro lado da rua com a lâmpada queimada e as contas dos erros, das aflições, das mágoas, dos ódios mortais e dos rancores nas mãos, enquanto os limites entre deveres e haveres se fundiam na confusão da escuridão que existia até durante o dia.

Do outro lado da rua, bem diante da janela tem um poste. Hoje, madrugada apenas começando, acordei como quase sempre e fui buscar abrigo na janela e no poste. A luz estava acesa, tinham trocado a lâmpada. Essa luz mudou tudo ou quase tudo. Transportou-me para outra dimensão. Agora podia partir dali, tão logo fosse possível e ir procurar o homenzinho verde que durante muito tempo me fez companhia entre as estrelas, enquanto repousava de suas longas viagens pelo espaço infinito. Marquei um encontro com ele e pedi que na sua próxima viagem reservasse um lugar para mim na sua pequena nave. Queria descobrir os segredos da luz branca que existe quando se vai procurá-la nos postes do outro lado das ruas mundo afora.

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