Larissa Drumond: Eles usam a beleza para fazer o bem

Melhorando a autoestima de homens e mulheres ou qualificando profissionais para trabalhar em salões, instituições e ONGs levam esperança e alegria em forma de beleza às pessoas

A vaidade e autoestima são fatores importantes para a construção da autoconfiança. Pensando nisso, algumas pessoas trabalham para levar beleza a ambientes onde muitas vezes isso não é prioridade.
Mulheres em tratamento contra o câncer podem aproveitar as estampas dos lenços para deixar a cabeça – e a vida – um pouco mais colorida, e usar henna para pintar uma sobrancelha onde não há mais pelos.
Deficientes visuais podem desenvolver um novo talento, usando o olfato apurado para produzir novas fragrâncias e ganhar uma nova profissão. Moradores de comunidades carentes podem se profissionalizar como cabeleireiros, manicures ou depiladores em cursos gratuitos. Conheça a história de quem usa a beleza para fazer o bem.
Cheiro de oportunidades 
A partir de uma parceria firmada pela Fundação Dorina Nowill para Cegos com a empresária Tânia Bulhões, nasceu um curso pioneiro no Brasil: a Avaliação Olfativa para Pessoas com Deficiência Visual.

"Apresentamos história da arte, ingredientes e o repertório completo para que eles possam ser inseridos na indústria", conta a coordenadora do curso Renata Ashcar, curadora do Espaço Perfume Arte & História, em São Paulo, e autora de diversos livros sobre o assunto.
As aulas acontecem na própria Fundação Dorina Nowill, em empresas do setor e contam com visitas a parques, mercados outros lugares onde os estudantes possam entrar em contato com novos aromas. "A seleção para o curso é baseada nos aspectos sociais e psicológicos, mas também na vontade de transformarem suas vidas", conta Renata.
Além de ensinar aos deficientes visuais, Renata também aprende: "Estou em uma constante busca das melhores maneiras de transmitir o conhecimento, sobretudo sensorialmente. É maravilhoso e muito enriquecedor", afirma.
Os alunos também ganham a oportunidade de fazer estágios em grandes indústrias perfumistas, como Symrise, Robertet e IFF, que fornecem fragrâncias para marcas conhecidas, como O Boticário e Natura.
A primeira turma se formou em 2012, e desenvolveu o perfume AMOR, à venda nas lojas Tânia Bulhões e no Dona Dorina Outlet Multimarcas - os valores são todos revertidos para a graduação de novos grupos. Dentre os dez alunos já formados, quatro foram admitidos em empresas renomadas. A segunda turma concluirá o curso em dezembro de 2013 e desenvolverá um aromatizador de ambientes, que também será comercializado.
Edu Cesar
Victoria Possidônio no curso de avaliação olfativa: "Achei que nunca seria capaz de encontrar um emprego; hoje vivo outra realidade"
Victoria Possidônio, 17 anos, tem apenas 30% da visão em decorrência de sequelas de uma meningite na infância. Frequentadora da fundação há dois anos, ela começou com aulas de informática, passou a alugar livros digitais e a participar de vários projetos. Um deles foi o curso de perfumaria, que mudou sua vida não só por ter apurado seu olfato ao máximo, mas por ter dado outras oportunidades.
"Foi maravilhoso começar a conviver com jovens que têm as mesmas dificuldades que eu. Como eu era deficiente, achei que nunca seria capaz de encontrar um emprego, mas lá tem muitas iniciativas com foco no mercado de trabalho. Hoje vivo outra realidade", conta Victoria.
Desenvolta e determinada, ela planeja prestar vestibular no fim deste ano para ingressar na faculdade de marketing. Como ainda está no ensino médio, ela só poderá estagiar na indústria de perfume em 2014, conciliando com o horário da universidade.
"Adoro aprender e fazer parte dos bastidores da composição de uma fragrância, conhecer matérias-primas e fórmulas. Os meus preferidos são Miss Dior Chérie, Nina Ricci e Dot, de Marc Jacobs", revela ela, cheia de planos, ansiosa para receber o certificado em dezembro. 
Beleza contra o câncer 
O Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), ligado à Secretaria de Estado de Saúde e à Faculdade de Medicina da USP, firmou parceria com a Payot para oferecer o "Cantinho da Beleza". Trata-se de um salão de beleza dentro do instituto, para pessoas em tratamento de quimio e radioterapia ou internações prolongadas – os acompanhantes também têm direito aos serviços. São oferecidos gratuitamente hidratação das mãos, manicure, higienização da pele e corte de barba ou cabelo.

De acordo com os pedidos, os profissionais também dão dicas de maquiagem e ensinam variadas maneiras de amarrar lenço, resgatando a vaidade e a autoestima dos pacientes.
Outra iniciativa do Instituto do Câncer é o serviço de visagismo, que engloba o estudo facial e a aplicação de henna para reforçar o contorno das sobrancelhas das pacientes. Além de oferecer a técnica sem custos, a ideia é que elas aprendam a fazer a manutenção para que dure mais, já que durante a quimioterapia é comum que haja redução de pelos.
"Enquanto enfrentam a doença, elas também precisam redescobrir sua beleza. Essa é a proposta da ação: promover o bem-estar e proporcionar momentos de lazer", afirma Marcelo Candido, da Hotelaria e Hospitalidade do Icesp.
Tesourinha, vontade, ação! 
Com mais de duas décadas de tradição e de trabalho árduo, o Projeto Tesourinha já levou mais de 27 mil jovens e adultos de baixa renda a ingressarem no mercado da beleza.

O projeto começou pequeno, com cursos de corte de cabelo na favela do Jardim Arpoador, na Zona Sul de São Paulo. Hoje tem quatro unidades na Grande São Paulo, que oferecem cursos gratuitos de assistente de cabeleireiro, manicure e pedicure, design de sobrancelhas, depilação e maquiagem. Além disso, o projeto conta com o apoio de grandes marcas de cosméticos.
"A seleção é rígida: depois da entrevista, fazemos um conselho para decidir quais candidatos serão convocados, e então publicamos a primeira, a segunda e a terceira chamadas, como um vestibular. Mas um fator decisivo é ter vontade e realmente querer a oportunidade", explica Ivan Stringhi, o cabeleireiro que criou o Projeto Tesourinha em 1992.
Depois de formados, há ainda um acompanhamento dos novos trabalhadores para inserção no mercado. Caso algum deles se sinta inseguro, pode voltar às aulas do projeto para treinar mais e ganhar confiança.
"O segredo do sucesso do projeto Tesourinha é o respeito pelo cidadão, a indiscriminação e a formação por excelência. Precisamos resgatar a autoestima desses futuros profissionais e investir no bom atendimento. O Tesourinha é feito de amor e dedicação", conta Ivan.
Ivan se lembra com carinho dos ex-alunos do projeto, e algumas histórias se destacam. Uma aluna, no início dos anos 2000, deixava os dois filhos com as vizinhas para que pudesse fazer o curso – e, sem dinheiro para a condução, caminhava até a escola por seis quilômetros. Com muito esforço, conseguiu concluir o curso e tornou-se assistente de cabeleireiro em Moema, bairro nobre da zona Sul paulistana. É o desejo de vencer que move o projeto.

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