...Nem uma coisa nem outra. Ele é, simplesmente, um injustiçado, como os demais reus.
O Mensalão é o equivalente ao Mar de Lama com que a direita levou Getúlio Vargas ao suicídio em 1954.
É o "combate à corrupção" sendo usado da forma mais descarada, mais cínica e mais selvagem. Lembremos que Jango também tombou sob o "combate à corrupção", em 1964.
O PT, é certo, se comportou ali, no Mensalão, como os demais partidos – a começar pelo PSDB – cuja ética ele tanto criticara antes de chegar ao poder.
Dinheiro que sobrara de campanha – importante: não era dinheiro público, ao contrário do que tem sido tão propagado – foi usado para que congressistas de outros partidos apoiassem iniciativas consideradas relevantes do governo. Não é o caso de aplaudir — mas muito menos para dizer, numa mentira abjeta, que era "o maior escândalo de corrupção da República".
A aprovação de Lula – 80% no final de seu mandato – é o melhor indicador de que as medidas, feitas todas as contas, eram afinal positivas para o Brasil, no julgamento da voz rouca das ruas. Isso não elimina o fato de que o PT errou — e o erro foi especialmente dolorido porque o partido prometera trazer uma ética rígida que não havia na política brasileira — mas ajuda a ver as coisas com mais clareza.
Em circunstâncias normais, averiguadas as responsabilidades, a vida seguiria e todos extrairiam as lições, a começar pelo PT. Mas não. A direita viu nele a chance de repetir 1954 e 1964. A indignação era tão fajuta quanto a de Lacerda nas duas ocasiões. Apenas os resultados foram diferentes.
Se a indignação fosse genuína, ela teria se manifestado na compra de votos que permitiu a FHC um segundo mandato.
Sobral Pinto foi um gigante moral
Por que a diferença de tratamento? Por que FHC e companheiros foram poupados e sob Lula os acusados foram – a palavra é esta – massacrados?
A resposta mais simples é: porque FHC era e é amigo do chamado 1%, cuja voz é a mídia, notadamente a Globo e a Veja.
E porque o 1% sempre quer tirar governos populares, como o de Getúlio e o de Jango, para colocar seus representantes. E o argumento é, invariavelmente, o mesmo: "corrupção".
Nada mais corrupto que o 1% — a começar pelo fato de que para essa elite predadora imposto é coisa para os pobres. Mas mesmo assim o 1% se comporta como se fosse Catão.
Veja bem: Roberto Marinho no papel de Catão. Você tem aí uma dimensão da palhaçada.
Tudo, no Mensalão, foi meticulosamente preparado pela direita. O número de 40 reus, por exemplo: foi feito para que se usasse a expressão "Ali Babá e os 40 Ladrões".
Para a conta fechar, Gushiken foi incluído, e isso contribuiu decisivamente, segundo relatos dos que o conheceram, para o avanço do câncer que o mataria. Quando Gushiken foi retirado da lista, por não haver nada que pudesse ser usado contra ele pelos carrascos, já era tarde.
A data do julgamento foi escolhida para coincidir com as eleições de 2012. O brasileiro mostrou ter acordado: mesmo com o patético espetáculo da mídia e do STF, Serra não se elegeu prefeito de São Paulo.
Num debate, ele disse mais de uma vez a Haddad, seu desconhecido oponente: "Você é amigo do Dirceu, não é?" Para Serra, este golpe sujo teria efeito sobre os paulistanos. Deu no que deu.
O Mensalão foi um mau passo do PT, é verdade. Mas a dimensão que se deu a ele foi infinitamente acima da realidade. Daí a injustiça fundamental.
Isso porque o objetivo não era moralizar coisa nenhuma. Era, simplesmente, repetir o que fora feito com Getúlio e Jango. Tomar o poder por outros meios que não as urnas.
O impeachment contra Lula não foi adiante por dois motivos: primeiro, ao contrário do que ocorre com Collor, a direita temia o poder de mobilização do PT. Como reagiriam as centrais sindicais, por exemplo? Parariam o país? A pressão popular em favor de Lula, deposto, faria que se repetisse no Brasil o que ocorreu na Venezuela com Chávez?
Chávez foi deposto pela direita num dia e, 48 horas, foi devolvido ao poder pelo povo venezuelano cansado de sua elite vassala dos Estados Unidos.
A segunda razão para que o impeachment de Lula não prosperasse é que não havia militares aos quais recorrer, ao contrário de 1964. A ditadura militar foi um fracasso tão espetacular que nem mesmo o mais reacionário dos generais consideraria que no início dos anos 2 000 haveria qualquer chance de apoio popular a um golpe à base de tanques.
No meio desse enredo todo entra Genoino, vítima de um linchamento moral intolerável. O infame programa CQC do ainda mais infame Marcelo Tas chegou a usar uma criança para atormentar Genoino.
Que ele fez? Ninguém sabe direito. Provavelmente nada. Com certeza muito menos do que lhe atribuíram. Invocaram a Teoria do Domínio do Fato – segundo a qual ele deveria saber das coisas — para condená-lo.
Quem comandou as acusações comprou de forma imoral um apartamento em Miami que vale algumas vezes todo o patrimônio de Genoino, e usou 90 000 reais do dinheiro do contribuinte para reformar os banheiros de seu apartamento funcional.
Alguém, em algum instante, falou em TDF para FHC? Ou ele se achava tão popular no Congresso que deputadores e senadores correriam, alegres, para apoiar um segundo mandato?
O Mensalão foi extraordinariamente aumentado, pela combinação da mídia com o STF, com finalidades inconfessáveis. Mas mesmo as cinzas de Getúlio e Jango sabem que queriam que Lula se juntasse aos dois em mais um golpe;
Essa ampliação fabricada acabou por custar caro particularmente a Genoino.
Ele tem que ser salvo de seus carrascos enquanto é tempo. Nem que para isso seja necessário invocar a Lei de Proteção de Animais, como fez Sobral Pinto num gesto cuja grandeza é maior que as palavras que posso empregar.
Paulo Nogueira, baseado em Londres, é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.
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