Na condição de dirigente de instituições financeiras e de principal guru econômico do pré-candidato à Presidência da República Aécio Neves, o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga deveria ter mais consideração pelo peso da sua opinião. E não desgastá-la com declarações irresponsáveis.
Em entrevista ao jornal "O Valor", Arminio diz que 2014 poderá repetir o terremoto financeiro de 2002, quando o dólar foi às alturas com a perspectiva de vitória de Lula. É uma declaração que pode mexer com o mercado, ainda mais sendo dada a um veículo de informações financeiras online.
Em 2002, foram duas as razões para a crise financeira: a provável vitória de um Lula, que o mercado não conhecia direito; e a atuação do presidente do Banco Central, o próprio Armínio Fraga.
Intencionalmente ou não (de minha parte julgo que foi nao-intencional) as medidas desastrosas adotadas na época foram o principal combustível para o terrorismo que se instalou no mercado.
Primeiro ato: o SPB
Sabendo ter pela frente um ano nervoso, por conta das eleições, em abril Armínio instituiu o SBP (Sistema de Pagamentos Brasileiros) que trouxe enormes dificuldades de implementação. Além disso mudou o sistema de acompanhamento das operações. Todas as liquidações financeiras - troca de reservas, mudanças de fundos etc - passaram a ser feitas em tempo real.
Segundo ato: mudou o sistema de marcação da renda fixa
Os títulos de renda fixa tem um prazo de vigência e uma curva de preços.
Imagine um título pós-fixado. O investidor compra por R$ 100,00. Se no primeiro mês a correçao for de 1%, passados 30 dias o valor do título estará em 100 x 1,01 = 101,00. No segundo mês, em 101,00 x 1,01 = 102,1 e assim por diante.
No caso dos pré-fixados, o cálculo diário é diferente. O investidor já sabe antecipadamente o valor de resgate. Digamos que seja sempre 100. 12 meses antes o valor será de 100 / 1,10 ^ (12/12) = 90,91. Onze meses antes, o valor será de 100 / 1,10 ^ (11/12). E assim por diante.
Aí Armínio decidiu implantar o chamado sistema de marcação a mercado. Por esse sistema, o valor diário do papel dependerá do preço final (100) descontada a taxa de juros em vigor no mercado naquele momento.
Mas suponha que a taxa de juros salte para 15% ao ano. Nesse caso, o valor presente do título cairá para 100 / 1,15 = 86,96. Ou seja, cairá imediatamente de 90,91 para 86,96.
Esse é o padrão adotado nos Estados Unidos e em outras economias maduras. Acontece que por lá não existem essas oscilaçoes malucas de juros, como no Brasil.
Terceiro ato - a venda casada de hedge cambial
Armínio completou sua obra com uma outra operação que se constituiu em um dos grandes desastres financeiros da história do Banco Central.
O mercado estava ávido por títulos cambiais, corrigidos pelo dólar. Arminio montou uma operação casada. Quem quisesse adquirir títulos cambiais, teria que adquirir no mesmo pacote títulos pré-fixados.
O que o mercado fez foi adquirir o pacote, ficar com os títulos cambiais e despejar os pré-fixados no mercado. A inundação de títulos pré-fixados fez os preços caírem. A quantidade negociada era pequena, frente ao estoque de pré-fixados no mercado. Mas, na marcação a mercado, vale o que for negociado no dia. Com a operação, caíram os preços dos títulos pré-fixados afetando todos os fundos e investidores que tinham títulos em carteira.
O quadro atual
Pretender que esse mesmo quadro possa se repetir em 2014 é terrorismo puro, que depõe contra a seriedade e a responsabilidade institucional de Arminio.
Em 2002, Lula era desconhecido; Dilma não, é candidata à reeleição. Pretender que ela será imprevisível em um segundo mandato é irresponsabilidade pura da parte de Armínio. Pode-se taxar a política econômica de incompetente, jamais de temerária ou irresponsável.
Além disso, o BC não está submetido às experimentações de 2002. Aliás, a própria imprevidência de Arminio serve de lição, para não ser imprudente, especialmente em tempos de eleição.
Luís Nassif
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