O bem que o mal faz

Certas personalidades não combinam com a monotonia da mesmice, por mais tranquilidade que essa mesmice proporcione ao espírito e ao corpo e, muito menos, com a serenidade de hábitos arraigados ou comprometidos com as restrições impostas pela periferia que patrulha o comportamento alheio.

Enfim, aquelas personalidades que não estão nem aí para as línguas bipartidas das cobras de plantão, cujo veneno escorre sem pressa pelo canto da boca, geralmente envelhecida, rachada como lodo seco em parede mofada, mais ou menos assim.

Quem aplaude, quem ri junto, quem se diverte em grupo ou na alcateia dos lobos moleques ou quem espreita feito hiena de riso histérico, esperando pelo banquete das sobras da carcaça do tigre guerreiro e predador, mas ferido de morte, pode-se dizer que estão do mesmo lado... Sim, porque do outro lado sempre está o objeto de suas atenções.

Dificilmente, existe quem tenha a coragem ou a solidariedade desinteressada de atravessar a sutil linha que separa um lado do outro para cuidar do animal ferido ou amenizar seu sofrimento, diminuir a sua dor por detrás da máscara que tenta escondê-la por dignidade de princípios. Devo pouco e tenho quase nada, mas quando me for não deixarei contas a pagar, com toda certeza e, portanto posso caminhar contra o vento, sem lenço e apenas com o passaporte, olhando para bem além do horizonte onde o sol nasce mais cedo e mais adiante.

Não tenho mais compromissos com nenhum lugar nem qualquer porto será o definitivo para atracar de vez a minha vontade aventureira de caçar imagens únicas, nem que sejam para meu banquete pessoal e para que possa admirá-las em paz e depois deixá-las como legado da passagem pelas estradas que enfrentei vida afora. Dia haverá de chegar onde farei meu derradeiro clique, mas não tenho mais pressa. Perdi o medo de vez. E algum medo tive? Claro, quando fraquejei ante o pequeno fantasma arvorado de forte que fustigou a parte frágil do impávido, corri para as montanhas mais distantes, para o frio cercado de silêncio quase absoluto e me rendi de pé, sem abaixar os olhos, mas no final tudo não passou de um vento besta, de uma nuvem nem tão ameaçadora assim. Era mais uma sombra e que se desfez com as luzes das minhas estrelas e de uma Lua que se encheu toda e me abraçou quando mais precisei.

O mal de toda uma agonia que chegou a se prenunciar duradoura transformou-se em consequência passageira, sim porque as rotinas e a contumácia da mesmice tendem perder suas forças quando são interrompidas de vez pela lucidez que se impõe quando se acerta no rumo da reflexão.

E foi assim, exatamente assim... Desde o começo, lá atrás, há muito tempo, todos os prenúncios eram de que havia toda uma aura de coisa ruim no entorno do anjo e demônio a um só tempo, que foi capaz de seduzir o demônio que se transformou em anjo para ser seduzido na complexidade do todo que atrai a curiosidade dos afoitos, aventureiros irresponsáveis que se esquecem, por um momento que seja, de que os circunstantes podem se transformar em feridos como efeitos colaterais dessas explosões de paixão avassaladora que eclodem com o olhar catalisador que faz tudo ir pelos ares entre risos, gargalhadas, gemidos e gritos histéricos das festas pagãs dos amantes enlouquecidos.

Depois, somente muito depois, o consolo é olhar para trás e dizer que valeu a pena, que foi um mal que conseguiu se transformar em um bem para não ter passado pela vida sem viver e descobrir o verdadeiro sentido de pecado e saber o tamanho do perdão a ser pedido de joelhos...

A. Capibaribe Neto

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