Sonhei janeiro chegando depressa... Sonhei que o Natal havia passado sem surpresas, sem presentes, sem festas, sem Papai Noel porque nunca fomos íntimos, desde criança. Sonhei dentro de um avião viajando para um lugar estranho, de gente estranha, arredia, de língua difícil de entender e eu estava só, mas havia feito essa escolha. "Loucura!" - teria dito um conhecido enquanto o outro fazia troça, mas eu não ligava.
Cheguei a pensar, dentro do sonho que acordava e me beliscava para saber se estava sonhando ainda. Sensação estranha. Os lugares tinham nomes especiais e únicos e estiveram, por muito tempo, nos noticiários, no contexto de uma guerra fabricada, cheia de interesses, como a maioria delas. Sonhei que o Natal já estava distante e janeiro estava quase no fim e o avião se preparava para pousar no lugar.
Fazia frio, era quase noite e, pela primeira vez, eu me sentia sozinho, sem referencial, sem um nome conhecido ou um endereço para me abrigar. Era tudo muito diferente, como num filme de aventura. E o que seria aquilo nesse sonho, se não uma aventura ousada, arriscada? Que me valesse isso! Não importava. Quando a gente olha para trás e vê que a estrada já percorrida se perde na linha de um horizonte tão distante que parece se confundir com as brumas dos esquecimentos oportunos.
A certeza de haver percorrido tanta estrada ninguém podia mais me tirar e a esperança de conseguir chegar a novos destinos só dependia das surpresas que a vida nos reserva e não pede licença ou informa sobre os perigos ou armadilhas de um simples amanhã.
Viver é uma aventura maravilhosa, uma verdadeira existência em miniatura, um presente do Grande Arquiteto do Universo. Quem se encanta, conta e canta para estrelas sempre está mais perto das dimensões incomensuráveis, berço de milhões de pontos feitos de sóis, de mundos, de luas, cometas errantes e consegue sonhar em paz, com serenidade e voa, sem pressa, nas asas da imaginação, escolhendo atalhos, descobrindo vales, se extasiando com a fantasia do infinito, sem medo de nada, com coragem para tudo.
Sonhei que era um guerreiro afoito montado em um cavalo alado e galopava por entre mundos em direção a uma luz branca, convidativa, que piscava a cada momento com mais intensidade. Sonhei com estradas de terra e caminhos cheios de curvas sobre montanhas desafiadoras. Nomes me vinham à mente: Kabul! Depois, Mazar-e Sharif, Herat, Kandahar! Que lugares eram esses? O que haveria ali, o que fazer, que gente estaria dentro das casas modestas, pelas ruas maltratadas?
No sonho, eu via crianças, como crianças que são, alheias aos perigos de suas vidas, esquecidas e distantes, soltando suas pipas, caçando suas pipas com a algazarra comum das crianças que ainda conseguem ser crianças mundo afora. No sonho eu me via criança e empinava um dessas pipas, compelido por uma vontade especial de sentir-me criança outra vez e ver, bem depressa, passar o filme de todo um caminho percorrido até ali.
Era um sonho tão vivo, que podia escutar o barulho do vento brincando com o papel de seda de cada pipa presa a uma linha que dançava nas mãos hábeis dos pequenos caçadores de aves de papel colorido no céu de um desses lugares, Kabul.
E aí, acordei, mas era como se continuasse dormindo, até que me levantei e fui espiar em cima da mesa, onde havia espalhado um monte de lembranças, restos dos restos de muitas recordações. Então, respirei fundo, abri o bilhete e estava lá, bem diante dos meus olhos, a passagem que não me deixava mentir: Doha - Kabul! Onde o sonho distante começa.
A. Capibaribe Neto
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