No atual estágio, a melhor maneira de resumir a encrenca sucessória é lançando mão da analogia do barco. Num instante em que Dilma Rousseff afirma que 'não se deve mudar a tripulação no meio da viagem', Aécio Neves subiu no mastro nesta terça-feira para gritar: 'Está afundando!'. Distribuiu uma boia de 12 pontas.
Beneficiado pelo penúltimo gesto de José Serra, que se jogara ao mar na véspera, Aécio desfilou pelo convés fazendo pose de representante único da oposição. "Encarnaremos a mudança de verdade", disse. Nas entrelinhas, ouviu-se: meu amigo Eduardo Campos anda dizendo por aí que 'é possível fazer mais'. Não se iluda. É mais do mesmo. A mudança legítima sou eu.
Um barco, como um país, é uma coletividade em movimento. Para Aécio, o Brasil vai de mal a pior. "Queremos falar de eficiência e planejamento", ele cutucou. Não considera normal que uma obra como a transposição do São Francisco, orçada em cerca de R$ 4 bilhões, "se arraste por mais de quatro anos além do inicialmente previsto para sua inauguração e já tendo gastado mais do que o dobro."
A obra da transposição é gerida pelo Ministério da Integração Nacional. Até o início de outubro, chamava-se Fernando Bezerra (PSB) o titular da pasta. É homem de Eduardo Campos. Deixou o cargo, meio a contragosto, depois que Campos e a Executiva do seu PSB decidiram devolver para Dilma as cabines que ocupavam no deck.
Para não se alongar, Aécio citou apenas mais um exemplo de obra ineficiente e mal planejada. "Não é razoável que o Brasil inicie a construção de uma refinaria em Pernambuco, chamada Abreu e Lima, orçada em R$ 4 bilhões, e já tenha gastado R$ 17 bilhões. E nada acontece. Não se sabe quando essa obra será inaugurada.''
Como se sabe, o governador de Pernambuco é Eduardo Campos. Pegou em lanças pela refinaria. Já vistoriou as obras com Lula e Dilma. A Venezuela deveria ser sócia. Mas Hugo Chávez morreu seu colocar um centavo no negócio. Com outras palavras, o que Aécio disse foi: meu amigo Eduardo é sócio do Planalto na ineficiência e na falta de planejamento que provocam a existência de dois brasis: "o Brasil real e o Brasil virtual da propaganda."
Um país, como um barco, pode perder o rumo. Para Dilma, a embarcação não sofre senão sacolejos passageiros. Coisa provocada por intempéries trazidas por ventos que sopram do estrangeiro. Para Aécio, o barco já não está à deriva. Encalhou. E pode ser tomado por piratas a qualquer momento.
"O Brasil, que há dez anos despontava como país em desenvolvimento em melhores condições de adentrar o mundo dos países desenvolvidos, hoje está no final da fila", disse Aécio, antes de acusar Dilma e o petismo de danificarem os instrumentos de navegação herdados de FHC.
"Nós criamos a responsabilidade fiscal, com oposição ferrenha dos nossos adversários. Eles criaram a contabilidade criativa, que tem desmoralizado o Brasil e fez com que o nível de investimentos desse terceiro trimestre de 2013 caísse mais de 2%."
Aécio faz um aceno para os dois terços de passageiros que informaram ao Datafolha desejar um comandante que faça coisas diferentes das que Dilma tem feito. Como que decidido a produzir um motim, gritou que a bagagem está sendo lançada ao mar.
"A manipulação dos dados, a incompetência de controlar efetivamente a inflação no Brasil, tudo isso levou o governo a usar o patrimônio dos brasileiros —como a mais emblemática e poderosa das nossas empresas, sucatenado-a e fazendo com que a Petrobras perdesse quase 40% do seu valor de mercado e se transformasse na empresa não financeira do mundo mais endividada. Hoje, pasmem, atrasa o pagamento dos seus fornecedores."
Um navio, como uma nação, também tem diversas classes. Para Dilma o pleno emprego e os programas sociais içaram milhões de passageiros para os decks 'D' e 'E'. Para Aécio, o barco continua dividido em duas classes. Há os que usufruem do ar refrigerado do deck 'A' e há o resto, que dorme perto das máquinas, junto com os ratos. Mudança? Só depois que deixarmos de ser "o país do pleno emprego de dois salários mínimos." Bolsa Família? Nada contra. Mas "nenhum pai jamais se orgulhará de deixar como herança para os filhos um cartão do Bolsa Família.''
Desde junho, os passageiros estão chiando. Dizem que a viagem custa os olhos da cara e exigem saber pelo menos para onde estão sendo levados. Dilma promete um barco 100% de classe média com serviço médico importado de Cuba. E Aécio: "Os médicos cubanos continuarão no governo do PSDB, mas receberão aqui o salário de R$ 10 mil, porque nós não financiaremos uma ditadura por meio de um projeto de saúde meramente eleitoreiro."
Ganha um bilhete na primeira classe quem for capaz de dizer, a dez meses da eleição, que rumo tomará o barco. Por ora, só há uma certeza: quem passar mal na quinta classe será atendido por médicos cubanos.
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