Aqui vai um projeto de pesquisa para a sucessão presidencial do ano que vem. Qualquer um pode fazê-la, usando a amostra que quiser.
Numa conversa solta, puxe o assunto do Bilhete Único nos transportes públicos e procure memorizar quantos minutos, ou segundos, ela rendeu. Passado algum tempo, mude de assunto, fale de vinhos e procure avaliar a duração da nova conversa.
Se a temática do vinho rendeu mais que a do Bilhete Único e esse grupo de interlocutores não vota no PT de jeito nenhum, Dilma Rousseff está reeleita. Pelo simples motivo de que o número de pessoas que são capazes de discutir o preço das tarifas de transportes públicos é maior que o de interessados em conversar sobre vinhos.
A pesquisa tem vícios de método, mas serve para medir o grau de distanciamento em que se pode estar em relação ao mundo daqueles que andam de ônibus, cujo voto vale a mesma coisa que o de um degustador de Romanée Conti.
(Noves fora Lula, que apreciou o tinto oferecido por Duda Mendonça, não entra em ônibus de catraca há mais de 30 anos, mas faz política de olho no andar de baixo. Isso para não falar de petista que lê "Chianti" e pede "Xianti".)
Durante a campanha municipal de São Paulo, quando o candidato Fernando Haddad lançou a ideia do Bilhete Único Mensal, a campanha tucana chamou-o de "Bilhete mensaleiro", dizendo que seria "uma nova taxa, a taxa do ônibus".
Divide-se Pindorama em duas tribos. Uma, de quem já usou essa modalidade de bilhete em suas viagens ao exterior e outra, que não compraria o Bilhete Único Mensal sem fazer a conta. Todos sabiam que a proposta não era uma taxa, pois só compra o bilhete (ou um Rolls-Royce) quem quer. O aspecto demofóbico do ataque vinha da crença de que a turma que anda de ônibus, por burra, não faz conta e acredita em qualquer coisa.
O Bilhete Único Mensal começou a funcionar sábado em São Paulo. Custa R$ 140 para os ônibus e R$ 230 quando integrado ao sistema de trilhos. Com ele o cidadão faz quantas viagens quiser. Cadastraram-se 150 mil pessoas e cerca de 80 mil responderam a um questionário informando sua faixa de renda, mais alguns dados sociais. Grosseiramente, pode-se dizer que o usuário do novo bilhete cabe na seguinte moldura: tem menos de 24 anos (46%), trabalha e estuda (38%), e ganha até R$ 1.147 (65%). Já foram retirados seis mil cartões.
A demofobia transformou o Bilhete Único Mensal numa bandeira petista, mas nem tudo está perdido. O tucanato paulista demorou 19 meses para integrar a rede estadual de trilhos ao Bilhete Único dos ônibus municipais.
Era um tempo em que se podia confiscar o desconto dado aos usuários habituais do metrô e transportecas argumentavam que cartões carregados com valores de até R$ 100 poderiam virar um estímulo aos assaltos. Agora o governador Geraldo Alckmin associou-se imediatamente à tarifa única mensal. Essa rapidez deveu-se a facilidades logísticas, mas não se deve desprezar o "efeito rua".
Dilma e o PT não cavalgam apenas políticas públicas que podem ser discutidas, anuladas ou aperfeiçoadas. Cavalgam acima de tudo a demofobia dos adversários, incapazes de mudar a qualidade do debate sobre transportes públicos, saúde e educação.
Elio Gaspari
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