Minha mulher sugere colocarmos luzinhas coreanas no chapéu de sol, em frente de casa. Eu resmungo qualquer coisa. Ela percebe a má vontade e se incomoda. "Que foi?!", pergunto, com aquela surpresa dissimulada que nós, homens, lançamos quando queremos desacreditar as reações femininas, colocando-as na conta dos instáveis vapores uterinos –não na das nossas irritantes atitudes. Ela saca a estratégia e põe as cartas na mesa: diz que eu torci o nariz quando chegou com o pinheirinho, sábado passado, que foi de muito mau humor que a ajudei a pendurar os enfeites, domingo, e agora fico fazendo corpo mole diante das luzinhas coreanas. Por fim, me acusa: "Você é ridículo: você é contra o Natal!".
Sou? Não queria. Me parece mesmo ridículo ser "contra o Natal", digo que não lembro de cara feia nenhuma ao decorarmos o pinheiro e reafirmo que meu problema é só com as luzinhas. Ela pergunta o que há de errado com elas. Levanto o indicador, pronto para fazer um discurso inflamado, mas fico mudo como a estátua de Duque de Caxias. O que há de errado com as luzinhas? Penso em alegar desperdício de energia. Teria, é verdade, um argumento sólido –ou líquido, se apelasse pro degelo das calotas–, mas estaria mentindo. Não é uma questão ecológica.
"Você não acha bonito as árvores todas iluminadas?" Sigo calado –agora, já com o indicador recolhido ao bolso– e percebo que acho bonitas, sim, essas árvores luminosas. Dão às noites de dezembro um ar vibrante –vamos até a farmácia comprar fralda e parece que estamos indo a uma festa. Daí pra vestir no chapéu de sol a polaina de lampadazinhas já são outros quinhentos.
"Qual o problema?" –ela insiste. "É que nem o Halloween? Vai dizer agora que é 'uma festa importada'?" Não, de jeito nenhum. Halloween, admito: sou contra. Não por nacionalismo, mas por senso de ridículo. Aquelas abóboras e caveiras, entre nós, soam tão naturais como as perucas nos carecas. Já o Natal é uma festa cristã, somos um país majoritariamente cristão e mesmo que a data tenha virado sinônimo de comércio, eu, com meu Nike nos pés e iPhone no bolso, não teria muita moral pra um discurso franciscano.
Não, eu não sou contra o Natal. Tenho um amigo, o Maurício, que é. Contra o Natal, o Carnaval, abraços no oi e no tchau e qualquer outra manifestação –falsa, segundo ele– e afeto ou felicidade. Ele tem seu ponto, mas sou diferente do Maurício. Sou coração mole. Fico feliz, no mês de agosto, quando chega o cartão do meu dentista desejando feliz aniversário. Por que, então, ó pai, fiz cara feia pro pinheirinho, resmunguei pra pendurar enfeite, me recuso a enrolar no chapéu de sol as luzinhas coreanas?
Não sei, mas minha mulher parece ter uma teoria: "Você é um metido! Você se acha superior, é isso! Não quer 'brincar de Natal' só porque tá todo mundo brincando! Fica falando mal da direita, mas age que nem um aristocrata!". Calúnias! Calúnias! Calúnias que tento calar, agora, do alto deste chapéu de sol, com 20 metros de luzinhas coreanas (que, diga-se de passagem, são "made in China") enroladas no ombro. Só torço para não cair daqui. Não quero que soe aristocrático, mas preferia uma morte um pouquinho menos ridícula.
Antonio Prata é escritor. Publicou livros de contos e crônicas, entre eles "Meio Intelectual, Meio de Esquerda" (editora 34).
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