Marcus Tullius Cícero concorreu à posição de Cônsul de Roma no ano de 64 antes de Cristo. Atribui-se a seu irmão mais novo, Quintus, a autoria de uma carta com recomendações de campanha. Em edição bilíngüe, a Universidade de Oxford republicou a Commentariolum Petitionis, em 2012, com tradução e introdução de Philip Freeman. Transcrevo o resumo de alguns de uma longa lista de conselhos.
- De início, a trivial recomendação de construir sólida e larga base de apoio. Toda a arte da campanha consiste em identificar de quem devem ser os apoios e como conquistá-los. Desde logo, o candidato lembrará a todos a quem tenha prestado favores que chegou a oportunidade de retribuir. E que, se eleito, poderá ajudar outra vez no futuro. Prometa tudo a todo mundo, aos grupos de interesse, organizações locais, populações rurais, jovens eleitores, aconselha Quintus.
- Aqueles com os quais nenhuma pessoa decente se associa em tempos normais contam como amigos próximos durante a campanha, se isso assegurar a vitória.
- Eleitores odeiam a quem lhes nega promessas e perdoam com relativa facilidade um recuo posterior. Depois da campanha é possível explicar a todos que, desafortunadamente, circunstâncias além de controle surgiram, impedindo que as promessas sejam pagas. Dê esperança às pessoas; até os eleitores mais cínicos desejam acreditar em alguém. Adule a todos sem qualquer pudor – olhe os eleitores nos olhos, dê tapinhas em suas costas, diga-lhes que são muito importantes. Faça-os sentir que o mundo pode ser melhor para eles e eles se tornarão os mais devotados seguidores – pelo menos até depois das eleições, quando inevitavelmente ficarão desapontados. “Mas aí a eleição já terá sido ganha”.
A crueza do resumo é um conto de fadas face à franqueza epistolar de Quintus.
Por exemplo:
“Para um candidato, amigo é qualquer um que se mostre simpático à candidatura”. Ao mesmo tempo não se deve negligenciar “os parentes, vizinhos, clientes, antigos escravos e mesmo os servos atuais. Pois quase todos os boatos destrutivos que chegam ao público começam entre familiares e amigos”. Todos os apoios são bem vindos, “particularmente de pessoas de ilibada reputação porque, mesmo que não participem ativamente da campanha, conferem dignidade por mera associação”. A lista inclui ainda magistrados, antigos políticos poderosos e o correspondente, então, de oficiais militares.
“Para um candidato, amigo é qualquer um que se mostre simpático à candidatura”. Ao mesmo tempo não se deve negligenciar “os parentes, vizinhos, clientes, antigos escravos e mesmo os servos atuais. Pois quase todos os boatos destrutivos que chegam ao público começam entre familiares e amigos”. Todos os apoios são bem vindos, “particularmente de pessoas de ilibada reputação porque, mesmo que não participem ativamente da campanha, conferem dignidade por mera associação”. A lista inclui ainda magistrados, antigos políticos poderosos e o correspondente, então, de oficiais militares.
Na busca de apoios, Quintus julga indispensável reconhecer “a diferença entre pessoas úteis e inúteis em qualquer organização, o que poupará investir tempo e recursos em pessoas que não trarão nenhuma ajuda”. A carta assegura que “não existe ninguém, exceto talvez os mais ardentes seguidores dos oponentes, que não possam ser convertidos a outras candidaturas, com trabalho persistente e favores apropriados”. Mas não deve haver engano, pois “os apoiadores especiais não são tolos. Eles só manterão o apoio se estiverem convencidos de que têm algo a ganhar”. Em certa passagem, se reconhece que “a política é cheia de engano e traição” sendo importante que o candidato seja “um camaleão, se adaptando a cada pessoa que encontra, mudando de expressão e de discurso quando necessário (...). Afinal, se um político só se comprometesse com o que estivesse certo de cumprir, não teria muitos amigos”.
Além destes conselhos, as recomendações sobre o crucial papel da propaganda, em especial da propaganda negativa sobre os concorrentes, garantiriam a Quintus Cícero fulminante enriquecimento na agência de publicidade que, com certeza, não deixaria de criar. Claro, a história registra a vitória do celebrado tribuno romano, Marcus Tullius Cícero.
Patrono dos marqueteiros, Quintus Tullius Cícero teve no renascentista Machiavelli exímio continuador. E quanto mais próximo da modernidade, maior o número de caçadores dos tesouros em que vieram a se transformar as campanhas eleitorais.
Certamente, os membros desta magnífica linhagem admitiram a existência de exceções. Nenhum, todavia, anteviu que a democracia, com a maior transparência e vigilância de todos os sistemas políticos, tentaria fazer com que Quintus vitoriosos sejam as exceções, não a regra. E isto é o essencial da democracia: empurrar para a clandestinidade política os artifícios do engodo, não obstante a baboseira com que é tratada, no Brasil corrente, a indomável tensão entre moral e política.
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