A maldade das entrelinhas, por A. Capibaribe Neto

Quando cheguei ao hotel Miramar, em Bangkok, o machucado do ombro ainda latejava, talvez porque depois da pancada não me restou alternativa de lugar para acomodar a mochila. Procurei disfarçar a cara de dor na recepção, mas a mocinha de olhos amendoados me perguntou com voz suave num inglês carregado de sotaque: "May I help you, Sir?" - posso ajudá-lo, Senhor?

Contei-lhe rapidamente o que havia acontecido e ela pediu para ver. Seu franzir de testa denunciou que a pancada fora realmente feia. Instruiu-me a procurá-la depois de instalar-me no quarto, mas estava tão cansado de caminhar, subir e descer as escadas de pedras dos templos de Angkor que me deitei na cama do jeito que estava, sem ao menos tirar as botas pesadas empoeiradas.

Não sei por quanto tempo adormeci, sei apenas que despertei com as batidas acanhadas na porta. Sentindo o corpo pesando de cansaço e o ombro doendo mais ainda, levantei-me aborrecido para abrir a porta. "O senhor está melhor?" Era a moça de rosto bonito da recepção. Trazia em uma das mãos uma toalha pequena e com a outra me mostrou uma pomada que mesmo sem abrir a tampa deixava no ar um cheiro de cânfora. Fui tomado de momentânea maldade, confesso. Afinal de contas, estava na Tailândia. Mais especificamente em Bangkok, uma cidade com mais de dez milhões de habitantes e já lera muito sobre a fama das tailandesas, espalhada pela ignorância tupiniquim. "Com licença, Senhor..." - e foi entrando.

Pediu que eu tirasse a camisa enquanto colocava a toalha debaixo da torneira de água quente. E aí, sem me olhar nos olhos, colocou-a com cuidado, bem devagar, sobre a mancha escura no ombro. Deixei escapar um "ai" quando senti que tocou onde doía. Aos poucos fui me acostumando enquanto sentia o começo de um alívio quase mágico. Perguntei-lhe o nome, mas não entendi, mesmo ela tendo repetido.

Depois de uns dez minutos de compressa, ela abriu o pote com a pomada e com a ponta dos dedos, delicadamente, começou a espalhá-la em círculos em volta do machucado. A dor começou a sumir e enquanto ela se concentrava no que fazia aproveitei para olhar seu rosto.

A porta do quarto havia se fechado automaticamente e isso não a havia abalado, mas senti uma sensação estranha que se dividia entre a desconfiança do gesto e a maldade por conta da cultura, da convivência. Eu não sabia o que dizer, nem mesmo dizer que estava bom o que ela estava fazendo. Tive medo de confundir o "bom" porque estava bom mesmo, com o "gostoso" que teria de ser traduzido por "nice, very nice", e ela pudesse interpretar mal. Fiquei quieto.

Aspirar mais forte o cheiro da cânfora podia ser uma insinuação e não havia espaço para interpretações maledicentes naquele momento. Ela parou a massagem por um instante enquanto voltou ao banheiro para esquentar a toalha. Dessa vez, o calor do pano em cima da pomada deu uma sensação de frescor no lugar. Arrisquei um "huummm..." e ela me olhou diretamente nos olhos com um sorriso de alegria: good?" Pensei em responder "very good", mas me contive e apenas deixei escapar um "umhumm".

Não lembro mais quando ela começou a cuidar do meu ombro, mas depois que ela foi embora ficou contida dentro de mim uma vontade enorme de que ela voltasse no dia seguinte. Somente no dia de fechar a conta a vi de longe. Com a mesma timidez ela me olhou e sorriu quando coloquei a minha mão sobre o ombro e depois sobre o peito, do lado esquerdo, como uma forma de agradecer de coração. Antes de deixar o hotel pedi permissão para lhe fazer uma fotografia, uma só. Ela deixou.

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