Um dos benefícios psicológicos do calendário é que ele define períodos de tempo aos quais, num evidente auto engano, damos significação física. Temos a sensação de que 31 de dezembro encerra um período. É uma quebra no tempo contínuo. Em 1º de janeiro inicia-se um ano novinho, sem a herança dos erros e acertos acumulados nos anos anteriores.
Infelizmente, o mundo não é assim por motivo também temporal: as consequências vêm sempre depois... 2011 foi o que 2010 nos deixou somado ao que nele fizemos: o maior ativismo do governo, o aumento da desconfiança do setor privado, além da deterioração da situação externa. Isso se repetiu em 2012 e continuou até à segunda metade de 2013.
A partir daí o setor empresarial começou a entender os legítimos objetivos do governo e este entendeu que, no tipo de organização econômica em que vivemos, o setor privado não pode ser tratado como um "bando de egoístas". Até agora, a história mostrou que o tal "capitalismo" foi descoberto por seleção quase natural e está em permanente evolução. Todo "intelectual" sabe que é ele o pior dos regimes, com exceção de todos os outros inventados por "intelectuais"...Três anos (2011-2013) de desconfiança, suspeitas e incompreensões do setor privado e de longo aprendizado pelo governo, o tempo contínuo do triênio de 1.095 dias deixou resultados pobres:
- 1) taxa de crescimento do PIB de 6%
- 2) taxa de inflação de 19%
- 3) déficit em conta corrente de US$ 187 bilhões
Pobre com relação ao "esperado" mesmo quando se desconta a menor expansão mundial:
- 1) um crescimento de 9% no triênio, contra os 6% obtidos (2/3 da expectativa)
- 2) uma taxa de inflação ligeiramente declinante de 0,5% ao ano a partir dos 5,9% de 2010, capaz de entregar a "meta de 4,5%" em 2013
- 3) um déficit em conta corrente de 2,7% do PIB, contra 1,8% no triênio anterior (2008-2010), o que o aumentou de US$ 127 bilhões para US$ 187 bilhões, 47% acima do que havia ocorrido no triênio anterior, cujo PIB cresceu 13% contra os 6% do atual!
É engano pensar que a desconfiança que começa a dissipar-se entre o governo e o setor privado tinha origem num "trotskismo" enrustido. Ela foi produto de um honesto superativismo governamental, derivado da crença de que poderia acelerar o tempo da correção de alguns de nossos graves problemas estruturais. Quando olhamos objetivamente para aquele ativismo vemos apenas resquícios de uma atitude comportamental que vai sendo superada pelo aprendizado.
Na crença popular existe um ente com capacidade de interferir no comportamento das pessoas, o chamado "encosto". No clássico Aurélio, "é um espírito que está ao lado de um ser vivo para protegê-lo ou prejudicá-lo". No magnífico Houaiss, "é um espírito perturbado que se presume estar ao lado de alguém para prejudicar". E no sofisticado Sacconi, "é um espírito mau ou bom que se aproxima de uma pessoa para ajudá-la ou prejudicá-la".
Na economia brasileira, os maus "encostos" se multiplicaram. São muitos, poderosos e visíveis. E não são as agências reguladoras, que por definição são "encostos" bons, quando entes do Estado não sujeitos ao aparelhamento por "companheiros de passeatas".
Nada se pode fazer nos transportes rodoviários sem o "encosto" do Dnit (o que agora mudou graças à ação da ministra Gleisi, da Casa Civil e do ministro César Borges, dos Transportes). Mas nada ainda pode ser feito no transporte ferroviário sem o "encosto" da Valec, que é positivamente maléfico e deve ser exorcizado numa "sessão espírita" na sede da Polícia Federal! No setor de energia elétrica, tudo depende do "encosto" da Eletrobras. No setor de gás e petróleo, sempre há de aturar-se o "encosto" da Petrobras e, agora, um "encostinho" recém-chegado, a Pré-Sal Petróleo S.A.
No transporte aéreo, nada decola ou pousa sem o "encosto" da Infraero. Temos usado instrumentos fundamentais para o desenvolvimento como o BNDES, o BNDESpar, os fundos de pensão das estatais e a Caixa Econômica Federal como "encostos" para promover alguns investimentos duvidosos, esquecendo que seus passivos serão dívida "contingente" do governo federal. Sem dogmatismo e para dar o benefício da dúvida: alguém pode afirmar com segurança que eles "ajudaram" o bom andamento dos investimentos em infraestrutura que deixamos de fazer nos últimos 30 anos?
Não adianta sofisticar ou mistificar os diagnósticos e as "receitas" que eles sugerem. Com a desconfiança recíproca entre o governo e o setor privado empresarial existente até há pouco, não há políticas econômicas (fiscal, monetária e cambial) e sociais, que funcionem, que:
- 1) acelerem os investimentos e aumentem a taxa de crescimento do PIB
- 2) levem num horizonte razoável a taxa de inflação para a sua meta de 4,5% ao ano
- 3) mantenham um déficit em conta corrente sustentável
- 4) reduzam a relação dívida bruta/PIB
Felizmente "caiu a ficha": a Casa Civil e os ministérios dos Transportes e da Fazenda, que "escutavam, mas não ouviam", passaram a "ouvir". Por outro lado, o setor privado entendeu que a honesta insistência do governo na "modicidade tarifária" buscava eficiência na prestação de serviços em monopólios públicos que, depois dos leilões, seriam monopólios privados. Sujeitos a contratos "abertos", eles precisam de regulação cuidadosa e permanentemente justa. Não era, pois, "socialismo"...
Os primeiros resultados já são visíveis: os leilões de infraestrutura mostraram que o diálogo está restabelecendo a confiança mútua. E com essa virão os investimentos. Talvez a crença na descontinuidade temporal possa fazer de 2014 um ano melhor do que a média do triênio 2011-2013.
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