Por Mark Stevenson
Ao vermos um México coalhado de lojas da Starbucks, Wal-Mart e Krispy Kreme, é difícil se lembrar de como era o país antes do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta, nas iniciais em inglês), que ampliou drasticamente as opções do consumidor e o comércio desde que entrou em vigor há 20 anos.
Embora o pacto tenha mudado o país em alguns aspectos fundamentais, ele jamais cumpriu muitas de suas promessas revolucionárias de acabar com o fosso salarial entre o México e os EUA, impulsionar o crescimento do nível de emprego, combater a pobreza e defender o meio ambiente. A fragilidade dos sindicatos do México e a concorrência da Ásia e da América Central mantiveram os salários em níveis baixos; o reforço da segurança na fronteira com os EUA fechou a válvula de escape mexicana da imigração, e as cláusulas ambientais do acordo se mostraram menos potentes do que as destinadas a proteger os investidores.
O México se beneficiou com o acordo com os EUA e o Canadá em algumas áreas. Os setores automobilístico, de produtos eletrônicos e agrícola cresceram, e bancos estrangeiros ingressaram no país, aumentando o acesso ao crédito. Mas a maioria dos mexicanos não viu muitas vantagens em termos de renda. Embora a classe média seja, sem dúvida, maior atualmente, o México é o único dos grandes países latino-americanos em que a pobreza também cresceu nos últimos anos.
Segundo a Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), a pobreza caiu de 48,4% em 1990 para 27,9% em 2013 em toda a América Latina. No México, onde estava em 52,4% em 1994, a taxa de pobreza chegou a cair para 42,7% em 2006; mas em 2012 tinha voltado a subir para 51,3%.
O economista Alfredo Coutiño, diretor da Moody's Analytics para a América Latina, diz que "os benefícios vieram, mas talvez não na magnitude que se esperava". Ele destaca que, "se esse acordo não tivesse sido assinado, o México estaria numa situação muito pior do que a dos últimos 20 anos".
Antes do Nafta, o México era uma economia fechada, dominada pelo Estado, que se ressentia do endividamento e dos problemas estruturais da agricultura mexicana - de baixa produtividade, em pequenas propriedades. Isso originara uma tempestade perfeita de desemprego em massa. O acordo comercial, a globalização e o investimento externo contribuíram, efetivamente, para criar empregos, embora mal remunerados.
Nos supermercados, os consumidores conhecem todos os produtos, desde amoras até o chai (bebida à base de chá preto, mel e leite) e o limão (em contraposição à lima mexicana) que poucos tinham experimentado antes de o tratado derrubar as barreiras comerciais e as tarifas praticadas entre México, Canadá e Estados Unidos. Os endinheirados do México têm ampla variedade de produtos e opções para gastar, principalmente na esfera dos aparelhos eletrônicos e automóveis.
Coutiño lembra que "antes, no México, era uma questão de prestígio social ter um par de tênis importados, eles eram muito caros... Agora a maioria dos mexicanos pode ter essas coisas consideradas artigos de luxo no passado".
Os mexicanos continuam divididos: uma recente pesquisa do jornal "Universal" e da consultoria Buendía-Laredo revelou que, enquanto 50% da população aprovaria o pacto comercial se ele fosse reapresentado atualmente, cerca de 34% o rejeitariam. O restante não soube responder. A margem de erro foi de 3,5%, para mais ou para menos.
Mas não há volta. Os três países da América do Norte estão se empenhando em aumentar seu grau de integração econômica. Com a reforma energética recém-aprovada pelo México, que permite o investimento privado no setor petrolífero do país, eles pretendem declarar também a independência energética do continente.
O Nafta foi quase esquecido no mais recente e polêmico esforço de livre-comércio, a Parceria Transpacífico (TPP, nas iniciais em inglês), uma negociação entre 12 países, entre os quais os três do Nafta, para abrir o comércio entre a Ásia e as Américas. A oposição ao TPP é reminiscência das previsões terríveis formuladas por ocasião das negociações em torno do Nafta, no início da década de 1990.
Na época, os opositores ao Nafta previram que milhões de postos de trabalho americanos seriam transferidos para o sul, e os grupos representativos de trabalhadores e agricultores prognosticaram um êxodo em massa da zona rural mexicana. Mas, como afirma um relatório de 2010 do Serviço de Pesquisa do Congresso americano, "a maioria dos estudos realizados após a entrada em vigor do Nafta detectou que os efeitos sobre a economia mexicana tendem a ser, no máximo, modestos".
Do lado positivo, o comércio entre os três países aumentou grandemente, para níveis cerca de 3,5 vezes superiores aos de 1994, embora o intercâmbio dos EUA com a China e com outros países asiáticos tenha se expandido com rapidez ainda maior nas últimas duas décadas.
Um número maior de montadoras estrangeiras instalou unidades no México, que agora produz cerca de 3 milhões de veículos ao ano. O México aumentou os postos de trabalho no setor automobilístico em aproximadamente 50% desde 1994. Mas os empregos do setor no México são notoriamente mal remunerados, e pouco se avançou em reduzir o fosso salarial em relação aos EUA.
A média dos salários na indústria de transformação do México correspondia a cerca de 15% dos pagos nos EUA em 1997. Em 2012 esse percentual tinha aumentado para apenas 18%. Em alguns setores, os salários praticados na China, na verdade, superaram os pagos no México.
O Nafta também não cumpriu todas as promessas no front ambiental. O Banco de Desenvolvimento da América do Norte, parte dos acordos paralelos do tratado, gastou mais de US$ 1,33 bilhão no financiamento de projetos de tratamento de água potável, água servida e esgoto. Mas o esgoto não tratado continua a fluir, e a qualidade do ar continua baixa em muitas comunidades fronteiriças.
As exportações dos EUA de baterias de automóveis usadas de chumbo-ácido para o México dispararam 500% entre 2004 e 2011. Só agora as autoridades mexicanas estão começando a estudar a imposição de exigências de certificação a empresas que exportam baterias para processamento destinado a recuperar o chumbo.
O Nafta foi, porém, muito eficiente em proteger os investidores estrangeiros. O pacto comercial instituiu grupos de arbitragem vinculantes, por meio dos quais os investidores podem contornar os tribunais com reclamações de que a regulamentação do governo afeta deslealmente seus negócios.
As queixas são muitas vezes contra a gestão dos recursos naturais ou as normas ambientais. O México e o Canadá pagaram cerca de US$ 350 milhões em indenizações aos investidores estrangeiros, enquanto os Estados Unidos não pagaram nada. "O processo [de arbitragem] não se assemelha ao Judiciário, não é justo e aberto", disse Scott Sinclair, do Centro Canadense de Políticas Públicas Alternativas.
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