Prefeito de NY vai cobrar o cafezinho dos ricos, para os pobres que Skaf sabotou de Haddad em SP

Editorial - Carta Maior


Endinheirados nativos adoram elogiar os ares cosmopolitas de NY - embora  se sintam espiritualmente melhor em Miami.


A mídia irradia preferências semelhantes.

O democrata Bill de Blasio, recém empossado prefeito de NY, ganha espaços e confetes  por aqui  pela ecumênica trajetória pessoal.

Blasio, um progressista à esquerda de Obama, e cuja eleição teve o apoio do Partido da Família Trabalhadora, que se autodefine como uma espécie de PT dos EUA, é casado com uma poetiza negra.

Chirlane não escondeu na campanha a adesão ao lesbianismo nos anos 70.

A cerimonia de casamento entre ela e Blasio foi oficiada por pastores gays.

Filhos afrodescendentes, Dante e Chiara, fizeram do candidato, que apoiou a causa sandinista na juventude e escolheu a América Latina como objeto de estudo acadêmico,  um símbolo de afirmação dos valores multirraciais.

A cabeleira black power exuberante de Dante tornou-se uma espécie de certificado de garantia dos compromissos progressistas do pai.

O conjunto galvanizou a Nova Iorque.

Formada por 26% de latinos e 25% de negros, a metrópole de 8,7 milhões de habitantes está cindida em duas cidades pela linha da desigualdade.

Blasio prometeu acabar com o conto dickensiano de um povo repartido em dois pelo dinheiro e o urbanismo excludente.

Artistas de seriados famosos trabalharam com afinco para arrastar votos de um pedaço da classe média branca e  dar a esse projeto  o apoio esmagador de 73% do eleitorado.

Não é pouca coisa.

Desde 1993  a população de NY não entregava a prefeitura a um democrata.

Temas como o mergulho de Blasio no alcoolismo --após o suicídio do pai, ademais de vídeos da filha discutindo abertamente a questão das drogas, reforçaram o apelo contemporâneo da candidatura.

Mas não só.

Tido como bom administrador, seu antecessor, o bilionário Bloomberg, provou que é possível ser eficiente na gestão sem alterar o apartheid de uma metrópole.

Há cinco anos ele se alarga em NY e em toda a sociedade norte-americana mergulhada na pior crise do capitalismo desde 1929.

A relação da Forbes de 2013, que atualiza o ranking dos 400 norte-americanos mais ricos do país, ilustra a expansão do fosso.

A riqueza total dos ‘400’ aumentou quase 20% sobre 2012.

Passou de US$ 1,7 trilhão para US$ 2,02 trilhões de dólares em dezembro último.

Equivale ao valor do  PIB da Rússia.

Estamos falando de apenas  400 cidadãos e uma fortuna equiparável à oitava economia do globo, ou 15% do PIB dos EUA.

Mas a coisa é pior que isso.

Em 2012, pela primeira vez desde 1917, os 10% mais ricos passaram a abocanhar mais da metade de toda a renda norte-americana (50,4% , segundo pesquisa feita pela Universidade de Berkeley).

Só há dois precedentes históricos no gênero: antes da Depressão de 1929; e antes da falência do Lehman Brothers, em 2007, gatilho da presente crise mundial.

A política de injeção de liquidez de Obama –lapidada pelos interditos do Tea Party— paradoxalmente ajudou a consumar esse feito.

A renda média nos EUA cresceu 6% no triênio finalizado em 2012.

Dentro dessa média, os ganhos do 1% mais rico aumentaram mais de 31% no período (recuperando assim quase completamente as perdas decorrentes da crise, da ordem de 35%).

Os demais 99% tiveram um ganho de apenas 0,4% em três anos. Estão hoje 12% abaixo da soleira em que se encontravam antes do colapso neoliberal.

O Ocuppy Wall Street tinha razão.

Não surpreende que muitos de seus integrantes tenham se engajado na vitória a Blasi, que emerge assim como uma segunda aposta, mais à esquerda, depois do fiasco de Obama.

O cabelo black power de Dante deu confiabilidade a quem batia forte na tirania do 1% sobre os 99%.

Mas Blasio não foi eleito apenas pela fiança familiar.

Para investir em escolas e serviços destinados aos subúrbios –que empobreceram adicionalmente desde 2007, ele a prometeu elevar o imposto sobre os ricos que lucraram com a crise.

Quem ganha entre US$ 500 mil e US$ 1 milhão pagará um adicional em taxas municipais de US$ 973 por ano em sua gestão.

Significa menos que US$ 3 por dia – ‘um cafezinho com leite no Starbucks’, alfinetou o novo prefeito.

Não há como não enxergar nessa aritmética um espelho do que se passa na São Paulo dirigida pelo prefeito  Fernando Haddad.

Financiar a tarifa congelada dos ônibus na capital, modernizar  o transporte coletivo com 150 kms de corredores exclusivos (as faixas já passam de 290 kms) e investir em educação e saúde exigiriam um aumento do IPTU com atualização de valores venais defasados pela supervalorizados nos últimos anos.

Aqui como lá os ricos arcariam com a maior fatia do adicional arrecadado.


Os demais, em média, contribuiriam com  um adicional de R$ 15,00 ao mês.

Cinquenta centavos ao dia.

Para somar o preço de um café com leite no Starbuscks em São Paulo ( R$ 3,90 no Shopping Eldorado, na capital), seriam necessários quase o equivalente a  oito dias de  IPTU.

O prefeito Haddad foi ao STF solicitar apoio a uma contribuição 12 vezes inferior a de NY, vetada aqui pelo matrimônio de interesses que uniu a  Fiesp, a mídia, endinheirados, senhorios e o PSDB.

Ao contrário da cumplicidade selada entre afrodescedentes e Blasio, Haddad encontrou na Suprema Corte alguém que age e pensa aqui como aqueles que, em passado sombrio, destinaram a seus semelhantes a senzala e a chibata.

E depois delas, as periferias  conflagradas das grandes metrópoles.

Cerca de R$ 100 milhões arrecadados com o novo IPTU iriam financiar a construção de creches nos bairros mais pobres de SP, onde 150 mil crianças aguardam na fila.



por Saul Leblon 

Comentários

  1. Gabriel R. Avila05 janeiro, 2014

    Excelente editorial! Somos bons em elogiar o pais do norte mas nos tornamos cegos para reconhecer que o que fazem os endinheirados de lá: contribuem c bibliotecas, fundações, universidades etc. O (coitado) do Eike até que tentou mas viu sua fortuna virar fumaça. Mais pela arrogância dele que por motivos técnicos. Quem vai querer facilitar a vida de Haddad? Pensou no perigo? Se ele for um administrador bem sucedido eliminando o déficit de creches, aumentando a qualidade do transporte, etc. vão querer que vai para o estado ou mesmo a presidência:um risco enorme...

    ResponderExcluir
  2. Eurico Zimbres05 janeiro, 2014

    Qual o nome que se da quando alguem usurpa o poder conferido pelas urnas? Golpe de Estado! O STF sequestrou o poder das urnas. Golpe de Estado!

    ResponderExcluir

Postar um comentário