Todo mundo nu

Numa das primeiras vezes em que fui aproveitar um lago nas redondezas de Berlim, deparei-me com uma cena pouco comum para um brasileiro. Nas areias às margens da água, uma senhora de uns 80 anos tomava sol tranquilamente, pelada.

A reação que tive foi de choque. Fiquei estarrecido, desconfortável e não sabia para onde olhar. Sem graça mesmo. E a senhora com toda a desinibição do mundo foi caminhando em direção ao lago. Ela mergulhou nas águas frias e voltou. Tudo muito natural. Ninguém naquela praia lacustre, além de mim, olhava fixamente para ela ou apresentava algum sinal de constrangimento.

Ainda boquiaberto comecei a refletir muito mais sobre mim do que sobre a nudez da senhora. Porque fiquei tão chocado? Primeiro, acho que foi pelo ineditismo da coisa. Eu, até então, nunca havia visto ninguém com mais de 40 anos pelado. Minha experiência com nudez era limitada.

Somente as minhas aventuras sexuais e o que as revistas masculinas me ofereciam. E nessas publicações as garotas parecem sempre ter saído da mesma forma, ou do mesmo cirurgião plástico. O padrão de nudez delas é um mono-tom photoshopianomeio sem graça. A diferença entre a miss março e a miss fevereiro é quase que imperceptível.

 

Angela Merkel (esq.), atual chanceler da Alemanha, já foi adepta do Frei Körper Kultur

 

E a nudez, no meu caso, sempre havia sido atrelada a sensualidade. Mas ao fitar aquela senhora eu não tinha intenções lascivas. Tive, na verdade, vontade de ir lá, antes de ir embora, e dar um grande abraço nela.

O banho de sol dela me fez ver o corpo de uma maneira que nunca tinha visto. O corpo feminino com 80 anos de idade contrastava o meu de, na época, uns vinte e tantos. Na minha idade temos muitas vezes uma sensação de que vamos viver para sempre. Já o corpo dela expunha o tempo, deixava claro o quanto somos perecíveis.

Aquela sensação de que estamos aqui de passagem mesmo e acabamos nos importando com coisas tão pequenas e pouco fundamentais...

Aquela senhora não estava nem aí se seu corpo se encontrava com umas gordurinhas a mais, ou fora do padrão de beleza das revistas masculinas. Estava curtindo a praia dela, do jeito dela e não se importava com a opinião de turistas boçais, como eu. Viva a diversidade!

O mais engraçado é que quando comento com alemães sobre essa experiência, eles sempre ficam surpresos. "Mas eu achei que você fosse brasileiro", dizem. Muitos europeus costumam ver o Brasil como uma grande Marques de Sapucaí, com mulheres praticamente peladas. Nesse caso, a minha explicação de que somos um país católico e pudico sempre gera risadas.

Na Alemanha, aquela senhora não é uma exceção. Existe um movimento de nudismo e naturismo fortíssimo, que aqui é representado pela sigla FKK. Frei Körper Kultursignifica a cultura do corpo livre e tem vários adeptos na Alemanha, inclusive a chanceler Angela Merkel.

Na internet é possível encontrar fotos da mulher mais poderosa da Alemanha, na época de sua juventude, pelada. Angie cresceu na antiga RDA (República Democrática Alemã), onde o FKK era moda.

Hoje em dia, tenho a impressão de que se a Alemanha fosse um país tropical como o nosso, metade das atividades cotidianas seriam feitas no estilo do corpo livre. Faz mais sentido do que usar terno e gravata em pleno verão carioca. Polêmicas à parte, eu só espero chegar aos meus 80 anos com a desenvoltura daquela senhora.

 por Albert Steinberger - repórter freelancer, ciclista e curioso. Formado em Jornalismo pela UnB, fez um mestrado em Jornalismo de Televisão na Golsmiths College, University of London. Atualmente, mora em Berlim de onde trabalha como repórter multimídia para jornais, sites e TVs. 

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