Coluna dominical de Paulo Coelho

Aqueles que têm fé estão acostumados a aceitar a presença de Deus nos lugares sagrados, mas quando o conseguem reconhecer no cotidiano? Foi pensando nesta pergunta, que Joanna Laufer e Kenneth Lewis resolveram entrevistar, durante dois anos, pessoas de diversas áreas, para que contassem como a fé pode participar das atividades diárias. Eis aqui algumas destas respostas:
"Cantar é uma arte extremamente pessoal. Um instrumentista normalmente lida com algo externo a ele, mas o cantor é seu próprio instrumento. Certa noite de 1989, eu estava doente, mas não podia adiar um recital. Então, pouco antes de começar a cantar, eu rezei e disse: 'Meu Deus, este trabalho aqui tem mais a ver com você do que comigo'. Naquele momento, eu acreditei que ia cantar somente para Ele, e passei a ignorar a plateia, os músicos, até mesmo minha indisposição física. Foi um dos melhores concertos que já dei em minha vida" - Leontyne Price.
"É interessante notar que, quando se trata de Ciência, nós aceitamos com muito mais facilidade aquilo que não vemos. Entretanto, ao falarmos de um mundo espiritual, sempre aparece alguém querendo exigir provas, testemunhos, documentações".
"Existe um tipo de mecanismo chamado 'câmara de nuvem', onde um cientista pode traçar o caminho de partículas subatômicas, que jamais serão vistas, mas cuja prova de sua existência são as marcas que deixam nesta máquina. Ora, se traçarmos um paralelo, entenderemos que, embora Deus jamais possa ser visto, Ele deixa também suas marcas nas pessoas, e é só uma questão de notá-las" - Rabi Schindler.
"Em 1938, quando eu tinha seis anos, um grupo de nazistas entrou em nossa casa em Frankfurt, e levou meu pai para um campo de concentração. Dias depois, minha mãe me colocou num trem que viajava para a França. Eu ainda penso na última vez que a vi, me dando adeus na estação, chorando, sem que eu pudesse compreender direito porque aquilo tudo estava acontecendo".
"Muitas coisas nesta vida me deixam confuso, e passar por uma experiência destas, ainda na infância, é estar no limite da própria fé em um mundo espiritual. Entretanto, mesmo assim ainda sou capaz de entender que tudo que faço é pela graça de Deus".
"E isto me traz à memória uma história atribuída ao grande rabino Bal Shen Tov. Conta-se que ele estava no topo de uma colina, com um grupo de estudantes, quando viu um grupo de cossacos atacarem a cidade e começarem a massacrar as pessoas".
"Vendo muitos de seus amigos, lá embaixo, morrendo e pedindo misericórdia, o rabino exclamou:
- Ah, se eu pudesse ser Deus!"
"Um discípulo, chocado, virou-se para ele:
- Mestre, como ousa proferir uma blasfêmia destas? Quer dizer que, se o senhor fosse Deus, ia agir de maneira diferente? Quer dizer que o senhor acha que Deus muitas vezes faz o que é errado?".
"O rabino olhou nos olhos do discípulo, e disse:
- Deus sempre está certo. Mas se eu pudesse ser Deus, eu saberia entender o que está acontecendo" - Benjamin Hirsch.