Ao conquistar o direito de sediar a Copa do Mundo da Fifa, de 2014, e os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos, Rio/2016, o Brasil se comprometeu a realizar mais do que dois grandes eventos esportivos. Bola na rede e medalha no peito são peças de uma engrenagem maior, que vai alavancar o desenvolvimento nacional e regional, bem como melhorar a qualidade de vida do cidadão em todas as regiões do país.
Por Luis Fernandes*
O Brasil é um país em desenvolvimento de dimensões continentais, equivalente em tamanho à Europa Ocidental como um todo. Sediar em sequência os dois maiores eventos esportivos e mediáticos do planeta abre ao país uma singular e histórica janela de oportunidades para fortalecer e acelerar o seu desenvolvimento.
Enquanto os países centrais se valem de infraestrutura e serviços já montados em fases anteriores do seu desenvolvimento para servir aos grandes eventos – o papel desempenhado pelo sistema de transporte público de Londres nos Jogos Olímpicos de 2012 é um exemplo claro do caso em questão -, para o Brasil esses eventos são uma oportunidade para acelerar a montagem de infraestrutura crucial para o desenvolvimento do país, bem como fortalecer e expandir políticas públicas garantidoras de direitos de cidadania e alavancar cadeias produtivas e inovadoras, tanto no âmbito nacional quanto regional.
Visão estratégica dos legados
O reconhecimento desta oportunidade histórica nos remete para a discussão dos legados que os grandes eventos esportivos podem deixar no país. O conceito de "legados" de grandes eventos esportivos é objeto de discussão entre distintos autores e atores da área.
As entidades internacionais diretamente responsáveis pelos megaeventos esportivos também participam desta discussão conceitual. A Federação Internacional de Futebol Associado (Fifa) define "legados" como "o conjunto de benefícios que impactam um país direta ou indiretamente, econômica ou socialmente, resultante de ações vinculadas ao futebol e seus eventos, como a Copa do Mundo". Já o Comitê Olímpico Internacional (COI), os define como "impactos positivos, com efeito de longa duração, e que influenciam na vida e na cultura de um país e de sua população".
Sintetizando estas ideias-força, podemos definir "legados" como "resultados produzidos, direta ou indiretamente, pela realização de grandes eventos esportivos, em nível nacional e regional, tangíveis ou intangíveis, planejados ou não, que transformam de forma positiva e duradoura a sociedade que os sedia".
Cabe aqui ressaltar, uma vez mais, que Copa e Olimpíadas significam muito mais do que a construção e a modernização de estádios e ginásios, por si só um trabalho de vulto e de importância para a infraestrutura esportiva. A meta do governo federal é implantar um programa de desenvolvimento que transformará não apenas as 12 cidades-sede da Copa, mas o país inteiro. Por isso foi tomada a decisão de realizar jogos do Mundial nas cinco regiões do Brasil.
Por isso o conceito de nacionalização dos grandes eventos, com a irradiação de investimentos para além do Rio de Janeiro, no caso dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos, e de 12 capitais, em se tratando de Copa do Mundo. O objetivo, no campo esportivo, é alçar o Brasil ao patamar das potências olímpicas, de forma sustentável e perene. No âmbito geral, a missão é dotar a nação de musculatura social e logística que garanta o desenvolvimento sustentável de uma economia que já faz parte da lista das dez maiores do planeta.
Na dimensão urbana, as iniciativas geradoras de legado no âmbito dos megaventos esportivos visam a garantir melhores condições de vida nas cidades, com projetos estruturantes nas áreas de mobilidade (transporte público), saneamento e habitação. Na dimensão logística e de infraestrutura, elas almejam erguer, modernizar e ampliar equipamentos e serviços que criam melhor ambiente para a realização dos eventos, mas que permanecem, sobretudo, como benefícios permanentes para a sociedade após a sua realização.
Na dimensão econômica, o fomento do crescimento econômico associado à redução de desigualdades e à criação de empregos via a geração de novos negócios e de produtos e serviços inovadores.
Na dimensão esportiva, a construção e modernização das instalações que sediarão os eventos, bem como a ampliação da infraestrutura e das políticas de fomento para a atividade esportiva em todo o país.
Na dimensão social, a ampliação dos direitos de cidadania e da qualidade dos serviços públicos nas áreas de educação, saúde, acessibilidade, segurança e defesa. Na dimensão sociocultural, a valorização da identidade e da autoestima nacionais e regionais, nas suas múltiplas e variadas expressões. Na dimensão ambiental, a incorporação do princípio da sustentabilidade ao conjunto de empreendimentos e iniciativas associados aos eventos. Na dimensão política, a consolidação de novo modelo de gestão integrada entre os três níveis de governo do Estado brasileiro e parceiros privados e da sociedade civil.
O legado em construção
No planejamento inicial para a Copa do Mundo, o Grupo Executivo da Copa (Gecopa) do governo federal estabeleceu um teto de R$ 33 bilhões para investimentos em infraestrutura. As arenas multiuso, fundamentais para a modernização do negócio futebol, são parte desse projeto, mas estão longe de ser a vertente principal. A mobilidade urbana, com obras de novos sistemas viários e de transporte público (BRT, VLT e metrô, entre outros), configura-se como o destaque de um plano que projeta no horizonte a transformação da qualidade de vida dos habitantes de nossas cidades. Os investimentos em mobilidade somam R$ 11,5 bilhões, num universo de 40 empreendimentos. Ao fim das obras, terão sido construídos ou aprimorados mais de 450 km, entre trilhos e corredores de transportes rodoviários.
Estudos de consultorias privadas estimam que a Copa e os Jogos Olímpicos agregarão R$183 bilhões ao Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro até 2019. Somente o Mundial deve atrair 3,7 milhões de turistas, nacionais e estrangeiros, que injetarão na economia aproximadamente R$ 9,4 bilhões. Da construção civil à tecnologia de informação, dos pequenos negócios à ampliação da rede hoteleira, 700 mil empregos permanentes e temporários serão gerados.
Sob os olhares do mundo inteiro, o Brasil vai consolidar a imagem de país moderno e democrático, com diversidade cultural, atrações turísticas espalhadas por um território continental e capacidade de organização. É uma oportunidade histórica que não pode ser desperdiçada. O Mundial de futebol e as Olimpíadas não têm varinha de condão para mudar o cenário da noite para o dia, mas aceleram políticas estruturantes de desenvolvimento nacional, regional e local.
No Rio de Janeiro, sede dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, o projeto Porto Maravilha visa a recuperar e adensar o centro histórico da cidade, constituindo nova área marcada tanto pela beleza quanto pela funcionalidade, ao mesmo tempo residencial e comercial, doméstica e turística. Outro exemplo carioca pode ser conferido em Deodoro. Legado dos Jogos Pan-Americanos de 2007, o centro esportivo foi alçado à condição de Parque Olímpico – complementar ao complexo principal, na Barra da Tijuca – e já é responsável pela descoberta de talentos em modalidades há pouco tempo ainda desconhecidas no Brasil, como o hóquei sobre a grama, o tiro esportivo e o pentatlo moderno. O desenvolvimento do parque esportivo alavancará a região como um todo, detentora até aqui dos mais baixos indicadores de desenvolvimento humano da cidade. A comunidade de Deodoro colherá os frutos e agradecerá aos Jogos Olímpicos.
Na maior cidade da América do Sul, a bola da vez é Itaquera. O bairro paulistano com os mais baixos índices de desenvolvimento social será palco da abertura da Copa do Mundo. A nova arena impulsiona um rol de investimentos que dotará a área de universidade, conjuntos residenciais e infraestrutura urbana renovada. Pernambuco segue o mesmo caminho, ao erguer o estádio do Mundial em São Lourenço da Mata, município vizinho a Recife, com o objetivo de espalhar o crescimento econômico para além da capital. No mesmo sentido, a Copa e as Olimpíadas têm o poder de catalisar ações e projetos que já integravam o Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) e encontraram nos grandes eventos esportivos o ambiente ideal para sair da prancheta.
Dentro da visão estratégica do governo federal, projetos estruturantes vêm modernizando setores da economia brasileira. Os aeroportos, por exemplo, com demanda crescente graças à ascensão social de camadas beneficiadas pelo crescimento econômico e pela redução da desigualdade no país, necessitavam de ampliação e aprimoramento da gestão, independentemente da realização dos grandes eventos esportivos. O processo de concessões à iniciativa privada, que contemplou numa primeira fase os aeroportos de Guarulhos, Viracopos e Brasília, tem se revelado caminho certo para aumentar a eficiência e a qualidade dos serviços. O mesmo ocorre com os portos, que ganham espaço e estrutura para receber cruzeiros internacionais e intensificar o turismo interno.
Nas telecomunicações, a aceleração do Programa Nacional de Banda Larga, com investimentos em infraestrutura e na aquisição de conhecimento tecnológico, mostrou resultados já na Copa das Confederações, realizada no último mês de junho. Todas as seis cidades-sede do torneio ofereceram a tecnologia 4G aos usuários de smartphones. No Mundial do ano que vem as 12 sedes serão abarcadas. Mais do que agregar confiabilidade às ligações telefônicas e velocidade aos aplicativos e down-loads executados pelos celulares, fala-se aqui em estruturar uma base tecnológica para abrir portas ao desenvolvimento econômico. O plano de banda larga diminui as distâncias físicas, amplia a oferta de oportunidades de negócio e, como consequência, atua como vetor para reduzir as desigualdades regionais. Tudo isso num cenário que apresenta importantes investimentos da iniciativa privada.
O ambiente de Copa e Olimpíadas joga luzes também sobre a base do esporte. Não se constrói uma potência olímpica – nem se democratiza o conceito de que a atividade física é primordial para a saúde e o desenvolvimento social – sem investimento no esporte educacional. E o Brasil tem uma dívida com suas escolas, em grande parte desprovidas de infraestrutura mínima para a prática esportiva. É nessa perspectiva de resgate que o governo federal está construindo 6 mil ginásios e cobrindo 4 mil quadras em escolas públicas. Parcerias do Ministério do Esporte com o MEC e as Forças Armadas – programas Segundo Tempo, Mais Educação e Forças no Esporte – podem beneficiar 7 milhões de estudantes em 2014. A valorização do professor de educação física, que passa necessariamente pelo reconhecimento da disciplina como componente curricular obrigatório, é ponto importante nesse processo de reestruturação.
O fortalecimento da escola, aliado à construção de Centros de Iniciação ao Esporte (CIEs) em todo o país, cria as condições para a revelação de talentos que serão direcionados ao alto rendimento. O ciclo esportivo se completa, da base ao topo da pirâmide. O conceito de democratização da atividade física para a construção de uma sociedade saudável chega ao nível de refinamento, com a integração de centros esportivos regionais e a consolidação de uma Rede Nacional de Treinamento. O desfile de ídolos internacionais das duas maiores competições do mundo nos próximos anos só aumenta o interesse da juventude pelas atividades esportivas. Na outra ponta, o próprio Parque Olímpico da Barra da Tijuca sediará, após o evento, a primeira Universidade do Esporte do país, agregando em rede o que há de mais avançado na produção científica e tecnológica nacional para apoiar o esporte de alto rendimento brasileiro.
O legado de gestão pública já é realidade na segurança e na saúde. Esses setores experimentam inovações administrativas em que os grandes eventos esportivos aparecem na tela como elementos de um cenário maior. Os Centros Integrados de Comando e Controle, com aparelhagem de última geração, transcendem a tecnologia ao estabelecer como conceito a integração das variadas forças de segurança, e destas com as Forças Armadas. O Novo Marco Regulatório da Saúde em Eventos de Massa, conduzido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), também aproveita a Copa e os Jogos Olímpicos para desenvolver uma política pública estruturante e duradoura.
Na área ambiental, projetos como a Copa Orgânica e Sustentável, de alavancagem da produção de alimentos orgânicos, e Parques da Copa, de modernização administrativa e renovação de equipamentos dos parques e reservas nacionais, são capítulos do mesmo livro. Na cultura, o Projeto de Infraestrutura Cultural e Legados dos Museus segue essa trilha.
Megaventos esportivos e desenvolvimento nacional
Os exemplos apresentados acima, entre milhares de outros, mostram como é equivocada a visão que supõe existir um antagonismo entre sediar os megaventos esportivos no Brasil e ampliar os investimentos em saúde e educação no país. Ao contrário, partindo de uma visão ampla dos legados que esses eventos podem deixar no país, a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016 nos propiciam uma oportunidade histórica para ampliar os investimentos em saúde, educação e outros serviços públicos e direitos de cidadania, alavancando o esforço contínuo empreendido pelo Brasil para superar a secular e pesada dívida social que marca a nossa sociedade.
Em junho de 2013, enquanto era disputada no Brasil a Copa das Confederações – importante teste para os megaeventos esportivos de 2014 e 2016 – centenas de milhares de brasileiros foram às ruas para reivindicar um país melhor. Transporte, segurança, saúde e educação se destacaram como temas de faixas e cartazes, numa clara demonstração de que a sociedade brasileira está cada vez mais atuante e consciente. A mensagem transmitida ao Estado é de que os indubitáveis avanços econômicos e sociais conquistados pelo Brasil nos últimos dez anos precisam ser acompanhados por melhorias na infraestrutura urbana e nos serviços oferecidos à população.
As manifestações incluíram críticas de alguns setores apontando que os investimentos associados aos grandes eventos esportivos estariam absorvendo recursos que deveriam ser investidos em setores mais importantes, teoricamente relegados a segundo plano. Tal visão, pelo que já foi exposto, é equivocada. Mais do que isso, ela tolhe a conquista das melhorias reclamadas pelos próprios manifestantes. O legado construído por todos os entes públicos e privados envolvidos no planejamento da Copa e das Olimpíadas contempla, justamente, os anseios da população brasileira ecoados pelos manifestantes. Integram este legado o rigoroso controle e fiscalização dos empreendimentos associados a esses eventos, para evitar e combater gastos excessivos, bem como o mau uso de recursos públicos.
O planejamento estratégico que orienta a ação dos poderes públicos na preparação dos megaeventos esportivos busca potencializar os resultados extracampo da Copa e dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos. Os gols da Seleção na Copa e as medalhas verde-amarelas nos Jogos Rio/2016 certamente emocionarão e inspirarão toda a torcida brasileira. Esperamos que o Brasil que emergir dos megaeventos esportivos possa fazer nossa torcida vibrar e se orgulhar, nas ruas e nas arquibancadas, não só pelo que o seu país realizou, mas, sobretudo, pelas bases que lançou para um futuro com mais bem-estar e justiça social para o seu povo.
* Luis Fernandes é secretário executivo do Ministério do Esporte e coordenador dos Grupos Executivos da Copa e das Olimpíadas do governo federal.
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