As autopercepções e os exercícios físicos
É um sem número de conversas e resoluções pessoais quando se trata da necessidade de perder peso e/ou fazer exercícios físicos que chega a ser mais exaustivo enumerá-los do que efetivamente tirar a bunda da cadeira e se mexer.
Domingo geralmente é o dia da culpa, um daqueles pouco ativos que, somando as homéricas comilanças, levam às cansativas promessas de que, na segunda-feira, tudo vai ser diferente.
No mesmo dia, ao final da tarde, na academia, o empenho é digno. Olhos determinados, soca peso na barra indiscriminadamente; fitadas narcisistas, saudáveis e disfarçadas no espelho: “é impressão minha ou estou mesmo mais forte?”. Em casa, satisfeito, depois das apalpadelas e contraídas musculares, pensa, “por que afinal eu não faço isso todos os dias se me sinto tão bem depois?”.
Provavelmente, munido dessa autoconfiança, seu jantar será mais leve, com melhores escolhas alimentares e dormirá satisfeito.
A famosa rede de boas influências.
No dia seguinte, respirar, descer escadas ou escovar os dentes são sacrifícios hercúleos. Tudo dói muito. Rir é um luxo, dá para sentir o tal do âmago. Dolorido o dia inteiro, a pró-atividade se esvai e, já que não conseguirá ir à academia, se convence de que não adianta comer saudavelmente. Um dia e uma noite sedentários permeados pela ausência daquele sentimento edificante do dia anterior.
Você voltou a ser o cara do domingo. Já é quarta-feira e sente que não compensa a retomada dos exercícios; você promete recomeçar na outra segunda e aproveita esse fim de semana para enfiar o pé na jaca.
Já passou por isso?
Fora os aspectos fisiológicos (o efeito sanfona, a perda de massa muscular, as pioras nos exames de sangue), esses hábitos, ou a falta deles, essas idas e vindas em estilos de vida diferentes, as desistências, as inúmeras matrículas pagas em diversas modalidades, têm um forte impacto em nossa saúde psicológica e influência direta em nossa autoestima.
Como anda a sua?
A autoestima — que se refere ao valor, à percepção avaliativa e ao julgamento que fazemos de nós mesmos — está relacionada aos aspectos das autopercepções que surgem das interações das pessoas em diversos contextos. Esses entrechos (profissional, acadêmico, social, espiritual, físico etc.) e as interações com eles influenciam nossa autoestima de acordo com a importância que os elencamos.
Não somos apenas trabalho, corpo, festa ou fé. É de se desconfiar quando uma pessoa investe demasiado tempo e energia em apenas um desses aspectos. Se dedicarmos 4 horas em exercícios físicos diariamente, fora nossas responsabilidades familiares e profissionais, a probabilidade de termos uma hora para a leitura, por exemplo, será menor.
Possivelmente deixaremos algumas coisas de lado. E o pior, quando algo dá errado nesse contexto que investimos enfaticamente, a sensação de fracasso é terrível. São dolorosas as consequências desse desequilibrio, vide os apaixonados que deixaram tudo pelo relacionamento e que levam um pé na bunda, um vigoréxico que não diminuiu o seu porcentual de gordura de 10 % para 9 % em um mês, um workaholic que não teve o seu projeto aceito.
Se retomarmos nossas memórias relacionadas às atividades físicas, lembraremos de vários episódios bons e ruins. São inúmeros os traumas relatados das aulas de Educação Física, das quedas, de não ser escolhido pelos times, de ter pouca aptidão física para tal. Mas também nos recordamos de muitas delícias, de nossas equipes, de nossos feitos físicos, de nossas vitórias e de nossos professores/treinadores. Existe a necessidade de saber ou conseguir equilibrar as conquistas e frustrações.
Uma das minhas memórias mais marcantes, em tempos de balé, foi meu primeiro contato com a música de O Lago dos Cisnes, sentada embaixo da barra, entregue a ponto de não ouvir a professora que, ao perceber minha catarse, sorridente entendeu tudo e me deu o CD de presente. Ali, naquela minha prática física e mediante o certeiro incentivo, nasceu uma paixão que, somada à outras, fizeram eu me sentir apta às atividades dançáveis e sensível à música clássica. Poderia ser diferente, eu poderia ter levado uma bronca pelo devaneio, pela pouca atenção, e minhas percepções e memórias teriam sido diferentes.
Esse “eu” físico e a forma como nos percebemos fisicamente é modificado por meio de nossas experiências físicas de vida, positivas e negativas. Ele nos influencia a incorporar ou rejeitar um estilo de vida ativo e torna-se particularmente importante no desenvolvimento da autoestima.
Alguns mecanimos fazem da vida ativa fisicamente possíveis promotores da autoestima, como opsicofisiológico que melhora o humor e as autoconsiderações positivas; a melhoria da imagem corporal, a satisfação e aceitação corporal por meio da perda de peso ou aumento da tonificação muscular; a melhoria da condição física geral no senso de autonomia e controle pessoal sobre o corpo, sua aparência e funcionalidade.
Exercícios físicos e participação esportiva estão associados à autopercepções mais positivas, auxiliam as pessoas a se sentirem melhores com elas próprias, contribuindo para seu bem-estar geral e presumidamente para sua qualidade de vida.
Aumentar a autoestima é um processo que motiva os indivíduos a escolherem e persistirem em comportamentos saudáveis de vida, além de auxiliar na recuperação de sintomas clínicos de depressão e ansiedade.
No entanto, somos bombardeados pela falsa ideia que projeta o corpo como símbolo de poder e que basta fazermos os investimentos certos – tratamentos estéticos, exercícios físicos em excesso, cirurgias plásticas, uso de anabolizantes, dietas restritivas — para termos essa maleabilidade do corpo, que nos tornaremos perfeitos, sexies, magros, definidos, saudáveis, jovens. Corpo esse atrelado ao sucesso, felicidade, bem-estar, e outras características simbólicas. Um cenário frustante que pode transformar o saudável cuidado com o corpo em um contexto propício à instalação de doenças.
Essas retomadas são dolorosas fisicamente e frustrantes psicologicamente, pois queremos passar de um estado semi-vegetativo para atletas profissionais, de uma dieta desequilibrada a uma exemplar; e se algum imprevisto acontece, uma gripe que impossibilita a ida à academia ou uma festa repleta de delícias, é motivo suficiente para abandonar essa nova vida e voltar ao marasmo.
Nossas condutas não podem ser assim tão frágeis.
Antes de grandes planos e privações, vá com calma, respeite suas escolhas e os quilos acumulados durante anos. Eles levarão um tempo para serem perdidos, seu coração e o seu corpo levarão um tempo para se acostumarem com esse novo bombardeamento. Torne o seu dia mais ativo, suba escadas, se prontifique a ir buscar o pão na padaria, comece a fazer pequenas limpezas em casa, cozinhe, lave sua louça, arrume sua cama, introduza os bons alimentos, passeie no mercado e se permita conhecer novas comidinhas. Sinta-se atuante, recomponha-se, perceba-se mais positivamente. Autoindulgência, por favor.
Não sejamos imediatistas e extremistas. Se abusou no café da tarde na padaria e tinha marcado de correr, não precisa abandonar os planos. Vá, empanturrado de bolo mesmo, se encher de dopaminas.
Somos o que fazemos com constância.
Estabeleça metas viáveis que aumentem sua estima por você mesmo. De fato, se toda vez que retomar os exercícios, 3 quilos mais pesado, inapto fisicamente e com dores que o impossibilitam de descer as escadas, a sensação de que aquilo é horrível será verdadeira. E isso influencia o modo como você incorpora a atividade física na sua vida e como você se vê.
Nossa vida está maluca mesmo e cheia de confortos, temos mais tecnologia, mais prazeres sedentários e acesso a comidas irresistíveis. Escolha o que é primordial. Não abre mão do vinho? Do ovo frito? Da uma hora de videogame? Beba, coma, jogue com prazer.
Pequenas delícias, pequenos merecimentos pelo seu dia. Pequenos.
Como desprezar a sensação pós-atividade física, do suor no seu rosto quente, do coração na boca, daquela autopercepção de competência pelas singelas melhoras. Também são pequenas delícias e elas, constantemente, estabelecem o seu estilo de vida, que pode ser um estilo empanturrado de bolo, ou um apreciador ocasional.
Qual é a autoimagem com a qual você se identifica?
Educadora Física e Mestre em Exercício Físico e Saúde para Populações Especiais. Atualmente é Docente do Instututo Federal do Paraná.