Design afetivo

Como usei a caricatura para me aproximar das pessoas
“Você precisa abrir sua história no PdH!”
Foi isso que ouvi do Gustavo Gitti durante um café, enquanto eu descrevia meu projeto de conclusão do curso de design da UNESP, em Bauru, que segue como meu projeto pessoal agora em São Paulo, explorando como a arte pode afetar a vida das pessoas.
O conceito de Design Afetivo reflete a forma com que eu me relaciono e, também, uma necessidade que sinto de retribuir tudo o que eu aprendo com os outros durante a minha caminhada. É uma tentativa de afetar e ser afetado de uma maneira verdadeira e pessoal, agradecendo as pessoas com um desenho inspirado em suas vidas.
Tive contato com a caricatura pela primeira vez em uma página de jornal ilustrada pelo Baptistão, um dos maiores caricaturistas do Brasil. Aquilo me encantou de tal maneira que decidi, aos doze anos de idade, que aquilo era o que eu faria dali em diante. Todos os dias eu lia os jornais que meu avô assinava, à procura de algum tema para criar charges e caricaturas. Eu tinha um compromisso muito forte de produzir toda semana. Minha percepção sobre as coisas foi se moldando, pouco a pouco, em torno do humor, da sátira, e do brincar com as pessoas.
É muito legal quando sentimos que estamos fazendo algo genuíno, que surge de dentro para fora, por uma motivação maior, vai além do dinheiro ou qualquer outra recompensa material. Sabendo disto, procurei usar a caricatura como uma ferramenta para interagir com as pessoas e incentivá-las a também focarem em seus sonhos e qualidades. O afeto é o resultado de todo o processo.
“Se o corpo que nos afeta compõe com o nosso, sua capacidade de agir se adiciona à nossa e provoca um aumento de nossa potência, então temos um bom encontro. Isto é alegria. [...] O afeto é a potência de agir de um corpo.
Quando a potência de agir aumenta, sinto alegria; quando diminui, sinto tristeza. Espinosa chama de Deus esta potência de agir, que se manifesta como alegria. Para ele, a única afeição é a alegria. Todos os outros afetos são derivações dela.”
—Viviane Mosé

Abertura aos desconhecidos

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Você conhece essas pessoas?
Resolvi desenhar pessoas desconhecidas, para que o andamento fosse mais intenso, descobrindo coisas sobre elas ali mesmo, no momento, no encontro. Na época, eu vivia em Bauru, interior de São Paulo, mas decidi que realizaria boa parte do projeto na capital, pela diversidade de pessoas nas ruas e por contar com grandes amigos que me ajudariam com a filmagem e edição de um vídeo. Além disso, me deslocar para outra cidade acabou sendo uma espécie de imersão no projeto.
Em São Paulo, procurei algumas pessoas que eu pudesse entrevistar, dizendo apenas que se tratava de um projeto de faculdade, sobre a vida. Elas não sabiam que rolaria um desenho depois, baseado no que elas iriam dizer. A caricatura era uma surpresa.
Mas não foi tão simples. No primeiro dia, me lembro que eu e mais dois amigos saímos pelas ruas com a intenção de abordar as pessoas. Porém, o que eu falaria exatamente para elas? Como encontraria novamente estas pessoas para entregar o desenho? Ou eu faria o desenho na hora, logo após a entrevista?
Travei. Não consegui abordar ninguém. Pior ainda: desisti do projeto.
Voltei para casa com uma sensação horrível e já planejando mudar radicalmente a ideia. “Isso não vai dar certo… desenho afetivo vai ser uma exposição de caricaturas sobre os meus ídolos, pessoas que inspiram. Pronto. Decidido”. Passei a noite selecionando fotos de alguns ícones. Mohammed Ali, Gandhi, Ayrton Senna etc. E é aí que entram os amigos.
Agradeço muito ao meu grande amigo, Vinicius Matsuei, por não me deixar ceder. No dia seguinte, ele voltou para casa e me disse: “Diogão, não pode desistir cara, você tem que seguir com o seu projeto! Venha, vamos visitar alguns lugares que eu conheço e deixamos que a abordagem aconteça naturalmente.”
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Conversas

Desta vez, me estruturei melhor. Já sabia exatamente o que falar para as pessoas e o que eu queria transmitir. Para as caricaturas, além das fotos das pessoas, eu usaria outros tipos de referência. Queria ouvir sobre a vida delas, seus sonhos, suas histórias. Durante as entrevistas, faria cinco perguntas:
1. Como é o seu dia a dia?
2. Quais as coisas que você mais gosta de fazer na vida?
3. Como você era na infância?
4. Você tinha algum sonho quando criança?
5. E hoje? Tem algum sonho que deseja realizar?
Além de eixo para a conversa, elas faziam com que as pessoas parassem o que estivessem fazendo, principalmente se fosse rotina, e passassem a pensar nelas mesmas, na sua vida atual, na sua infância, nos seus sonhos… E quem sabe se sentissem instigadas a fazer isso mais vezes.
As entrevistas foram muito mais intensas do que eu imaginava. Algumas pessoas relembraram momentos de felicidade da infância com lágrimas nos olhos — e eu acompanhava muitas vezes na mesma emoção.
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Com todo o material em mãos, voltei para Bauru, estudei as referências, produzi as caricaturas e, quase dois meses depois, voltei a São Paulo para reencontrar estas pessoas e realizar a surpresa, entregando a elas o presente.
Foi uma experiência incrível!
Colocando as ideias no papel
Colocando as ideias no papel
Finalizando a última caricatura antes de partir para a entrega
Finalizando a última caricatura antes de partir para a entrega

As pessoas

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Marcio divide seu dias trabalhando como Engenheiro Civil e empreendendo uma loja de camisetas. O que o motiva mesmo nesta vida — e isto é bem visível — é a música.
Ele toca violino em uma orquestra e tem uma afinidade de 18 anos com seu instrumento, que já virou uma extensão de seu corpo.
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Bitu trabalha como pedreiro. O que mais gosta de fazer é se reunir os amigos, tomar uma cervejinha e jogar conversa fora.
Ficou emocionado ao relembrar da infância na Bahia, onde jogava bola e brincava no lago. Hoje está realizando um sonho de infância: ser construtor. Desde criança, construía casas nas árvores e “cavava túneis no chão que impressionavam as meninas”.
Hoje, reconhece que alcançou o sucesso na vida.
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Gurinha também trabalha na obra com os pedreiros. É o mais tímido deles e, ao mesmo tempo, o mais decidido. Não pensou um segundo antes de responder qual o seu sonho.
Ele quer ser vaqueiro, um sonho de infância que ainda persiste e que, segundo ele, continuará em busca de realizá-lo.
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Sati trabalha como pedreiro e repetiu várias vezes o quanto gosta de sua profissão.
Sua humildade, bom humor e orgulho pelo que faz são qualidades encantadoras. Não é sempre que ouve alguém dizer que se sente realizado na profissão que escolheu.
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Pernambuco é uma pessoa muito simpática, dono de um restaurante simples, mas com uma comida deliciosa e bem servida.
Veio se arriscar em São Paulo aos 18 anos, foi pizzaiolo por um longo tempo e hoje tem seu próprio negócio. Expressou uma felicidade imensa ao lembrar da infância na roça e do seu sonho, que era ser jogador de futebol: “Na época, não pensava em nenhum time, mas queria jogar bola. Se fosse hoje, seria para o Palmeiras.”
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Sr. Joseph é um velhinho simpático, com um sotaque italiano bastante carregado.
Veio da Itália ainda garoto e narrou suas histórias de quando arava terra em solo italiano, com muito orgulho. Seu sonho de infância era ser motorista; conseguiu realizá-lo no Brasil, onde trabalhou por 40 anos como caminhoneiro.
O engraçado é que ele apenas se deu conta de que havia realizado o sonho durante a nossa conversa: “Ah, verdade, eu já realizei meu sonho!” Todos os dias ele e seu amigo, Sr. Antonio, cuidam das maritacas da praça.
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Sr. Antônio nos deu uma aula com teorias espontaneamente profundas. Segundo ele, o que os faz feliz não é apenas cuidar da praça e das maritacas, mas quando as crianças vão até lá, se divertem, observam e aprendem a respeitar a natureza.
Ele tem certeza de que quando elas crescerem farão o mesmo. Também se mostrou um poeta a la Manuel de Barros, após ter pintado a praça com cores vivas e alegres: “Agora o banco sorri pra mim”.
Por fim, ainda me pediu que quando eu estivesse apresentando meu projeto, eu falasse para as pessoas sobre coletividade, para incentivá-las a fazer uma pequena ação, pois no conjunto total estas pequenas boas ações farão uma tremenda diferença.
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Margarete ama ser mãe dos seu quatro filhos e reconhece que isto chega a ser como uma profissão, que nem todas as mulheres conseguem exercer. Ela é uma pessoa muito serena e simpática.
Lembra de ter sido uma criança feliz, que vivia brincando e cantarolando por todos os cantos. Seus sonhos sempre foram relacionados a arte, como por exemplo, ser bailarina, pintora e pianista.
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Lucia citou sua infância com uma certa angústia, apesar de dizer que brincava bastante. Logo compreendi o porquê.
Quando questionada a respeito do seu sonho de infância, ela respondeu que era se curar da bronquite. Ficou emocionada neste momento e logo em seguida se orgulhou dizendo que além de ter realizado este sonho, hoje, trabalha com natação e hidroginástica, ajudando pessoas com o mesmo problema que ela tinha.
Também foi bailarina por muitos anos até se tornar professora de balé clássico. Ama dançar e viajar. Hoje sonha com que os filhos e seus pacientes consigam conquistar seus sonhos.
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Dona Lourdes é uma senhora de 80 anos, simpática, alegre, que adora conversar, sair e ler livros.
Trabalhou como vendedora até poucos anos atrás e hoje sente falta de sair por aí e interagir com as pessoas. Por isto diz, com ironia, que está numa vida de rainha sem ser uma. Alegrou-se lembrando de sua infância e nos contando suas travessuras: “Eu era muito levada.” Seu sonho de criança era casar, ter filhos e educá-los corretamente. Este ela já realizou.
Ela é praticante do budismo e seu sonho, hoje em dia, é ter uma ter uma morte tranquila e serena, sem preocupar ninguém.
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Marta trabalha como diarista. É uma baiana muito agitada que passa o dia sorrindo e fazendo piadas. Quando não está trabalhando adora dormir. Seu sonho? Ser a Garota do Fantástico.
Hoje reconhece que não é mais possível, mas ainda sonha em trabalhar na TV.

Gratidão

Melhor do que qualquer conclusão é mostrar alguns momentos de afeto:
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Link Vimeo | Registramos o processo nesse vídeo

Referências

Para criar esse trabalho, me envolvi nas seguintes referências:
Diogo G. Ladeira

Designer, ilustrador e caricaturista em São Paulo. Gosta de colecionar amigos, tomar café e contar histórias malucas. Vem estudando o campo do design afetivo e explorando como a arte pode afetar a vida das pessoas. O site dele é o G.Ladeira Caricaturas

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