Existem certas histórias que circulam pela Internet de uma maneira quase obsessiva. Há algum tempo, era uma sobre uma combinação no armário; logo, veio a dos dois homens que se encontram no bar. E daí por diante: eu mesmo já recebi várias vezes, coisas que escrevi neste espaço – revistas e ampliadas por internautas. Um interessante intercâmbio tem se estabelecido entre os leitores e a coluna, e isso só enriquece o meu trabalho.
A seguinte história é a "bola da vez": eu a recebo três vezes por semana, no mínimo. Ao contrário de algumas outras (a da combinação no armário era péssima!), merece ser recontada às pessoas que não tem acesso à Rede.
Um filósofo passeava por uma floresta com um discípulo, conversando sobre a importância dos encontros inesperados. Segundo o mestre, tudo que está diante de nós nos dá uma chance de aprender ou ensinar.
Neste momento, cruzavam a porteira de um sítio que, embora muito bem localizado, tinha uma aparência miserável.
Veja este lugar – comentou o discípulo. – O senhor tem razão: acabo de aprender que muita gente está no Paraíso mas não se dá conta, e continua a viver em condições miseráveis.
– Eu disse aprender e ensinar – retrucou o mestre. – Constatar o que acontece não basta: é preciso verificar as causas, pois só entendemos o mundo quando entendemos as causas.
Bateram à porta, e foram recebidos pelos moradores: um casal e três filhos, com as roupas rasgadas e sujas.
– O senhor está no meio desta floresta, e não há qualquer comércio nas redondezas – disse o mestre para o pai de família. – Como sobrevivem aqui?
E o senhor, calmamente, respondeu:
– Meu amigo, nós temos uma vaquinha que nos dá vários litros de leite todos os dias. Uma parte desse produto nós vendemos ou trocamos na cidade vizinha por outros gêneros de alimentos; com a outra parte nós produzimos queijo, coalhada, manteiga para o nosso consumo. E assim vamos sobrevivendo.
O filósofo agradeceu a informação, contemplou o lugar por uns momentos, e foi embora. No meio do caminho, disse ao discípulo:
– Pegue a vaquinha, leve-a ao precipício ali em frente, e jogue-a lá em baixo.
– Mas ela é a única forma de sustento daquela família!
O filósofo permaneceu mudo. Sem ter outra alternativa, o rapaz fez o que lhe era pedido, e a vaca morreu na queda.
A cena ficou marcada em sua memória. Depois de muitos anos, quando já era um empresário bem sucedido, resolveu voltar ao mesmo lugar, contar tudo à família, pedir perdão, e ajudá-los financeiramente.
Qual foi sua surpresa ao ver o local transformado num belo sitio, com árvores floridas, carro na garagem, e algumas crianças brincando no jardim. Ficou desesperado, imaginando que a família humilde tivera que vender o sítio para sobreviver. Apertou o passo, e foi recebido por um caseiro muito simpático.
– Para onde foi a família que vivia aqui há dez anos? – perguntou.
– Continuam donos do sitio – foi a resposta.
Espantado, ele entrou correndo na casa, e o senhor o reconheceu. Perguntou como estava o filósofo, mas o rapaz estava ansioso demais para saber como conseguira melhorar o sítio, e ficar tão bem de vida:
– Bem, nós tínhamos uma vaca, mas ela caiu no precipício e morreu – disse o senhor. – Então, para sustentar minha família, tive que plantar ervas e legumes. As plantas demoravam a crescer, e comecei a cortar madeira para venda. Ao fazer isto, tive que replantar as árvores, e necessitei comprar mudas. Ao comprar mudas, lembrei-me da roupa de meus filhos, e pensei que podia talvez cultivar algodão. Passei um ano difícil, mas quando a colheita chegou, eu já estava exportando legumes, algodão, ervas aromáticas. Nunca havia me dado conta de todo o meu potencial aqui: ainda bem que aquela vaquinha morreu!
Paulo Coelho é o oportunista
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