Eduardo Campos transformou o primeiro turno da disputa presidencial numa espécie de semifinal, na qual ele disputa com Aécio Neves o direito de travar contra Dilma Rousseff o jogo decisivo. O presidenciável do PSB concluiu que, para se manter vivo na competição, precisa tomar distância do amigo do PSDB. Sob pena de fazer o papel de "linha auxiliar" do tucanato.
Graças a esse entendimento, endossado por Marina Silva, Aécio tornou-se o principal alvo da primeira fase da disputa presidencial. Campos ainda não o chamou de "espectro fantasmagórico" ou de "fantasma do passado", como fizeram Dilma Rousseff e o PT. Mas já chegou muito perto disso. Nas suas andanças pelo país, o presidenciável do PSB também se refere a Aécio como uma espécie de pretérito imperfeito.
Em recente viagem à cidade baiana de Vitória da Conquista, Eduardo Campos disse a uma plateia de estudantes que sua tarefa, hoje, é fazer "o Brasil enxergar na prateleira das escolhas presidenciais uma opção que seja capaz de, efetivamente, mudar o Brasil." Ao enumerar as alternativas disponíveis na gôndola, ele resumiu o que pensa sobre cada candidatura.
A respeito de Dilma, declarou: "Quem quiser manter o Brasil na situação que está, com inflação em alta, crescimento em baixa, juros lá em cima, toda sorte de coisa errada, já tem em quem votar. É só manter o governo que está aí."
Sobre Aécio, afirmou: "Quem tiver saudade do passado, de um tempo em que o povo brasileiro não era olhado como devia, um tempo em que o Nordeste não crescia como precisava crescer, que não tinha atenção, quem tiver saudade desse passado também já tem em quem votar."
E sobre si mesmo: "Quem está indignado, quem deseja preservar as conquistas que tivemos nos últimos anos, da contenção da inflação à possibilidade de a gente cuidar das diferenças do Brasil, [...] aí a gente quer ser a opção."
Ao levar Aécio à sua alça de mira, Campos tenta atingir um objetivo jamais alcançado. Desde a redemocratização, o Brasil já atravessou seis eleições presidenciais. Em cinco, PT e PSDB enfrentaram-se no segundo turno. O PSB quer romper essa polarização, que voltou a ser esboçada nas últimas pesquisas.
Mal comparando, Campos tenta transpor para a realidade brasileira um conceito de terceira via cunhado pelo sociólogo inglês Anthony Giddens para explicar a ação do ex-primeiro-ministro Tony Blair, de quem era conselheiro.
Na versão de Giddens, a terceira via era uma opção política situada entre a pura obediência aos ditames do mercado e o alinhamento automático com o Estado do bem-estar social. Campos tenta consolidar-se como alternativa situada entre o respeito a valores como a estabilidade monetária e a responsabilidade fiscal, de um lado, e, de outro, a fundação de um Estado social que vá além do Bolsa Família.
No essencial, não é nada muito diferente do que defende Aécio. Hoje, nem com uma lupa o eleitor distinguiria a segunda via oferecida pelo tucanato da terceira via em que o PSB tenta se converter. A dificuldade da plateia cresce à medida que os contendores se esforçam para explicar o conceito de mudança.
Dilma apresenta-se como a mudança de si mesma. Numa referência indireta à falta de estrutura de Campos, Aécio se autoproclama "a mudança segura". E Campos afirma que é justamente a ausência de aliados "cheios de vícios" que faz dele o único ator político capaz de "mudar o Brasil para o futuro", criando um país em que "raposas" como José Sarney virem "oposição".
"Não vamos governar com os mesmos", repete Campos à exaustão. A promessa já rendeu algumas manchetes de jornal. Mas o que ajuda a retardar sua apreensão é o personagem que Campos era antes de associar-se a Marina Silva: governou Pernambuco rodeado por uma megacoligação apinhada de "raposas". Como ministro de Lula, coabitou a Esplanada com apadrinhados de Sarney.
O novo Eduardo Campos alveja Aécio sem descuidar de Dilma. Diz que "ela se entregou ao velho jogo da política, rendeu-se àqueles que estão roubando os nossos sonhos." Mas não há no seu discurso nenhum vestígio de reparo à atuação de Lula, principal responsável pela manutenção das "raposas" no galinheiro que Dilma tem a ilusão de presidir desde janeiro de 2011.
Naquela viagem a Vitória da Conquista, Campos disse coisas assim: "Fomos nós, nordestinos, que elegemos a presidenta que está aí. Ela ganhou graças aos 10 milhões de votos que foram tirados aqui do Nordeste. E nós não vimos o Nordeste ser tratado como deveria."
Ele prosseguiu: "Já vamos para três anos de seca e não vimos obra importante ser inaugurada para o enfrentamento da questão da estiagem. [...] Agora, às vésperas das eleições, quer levar os nossos votos. Não, os nordestinos vão ter em quem votar…"
Informado sobre o ataque, um auxiliar de Dilma pescou no computador notícia sobre uma visita que ela fizera, em março do ano passado, às obras de uma adutora na Paraíba, Estado governado pelo PSB de Campos. Integrava a comitiva de Dilma o então ministro da Integração Nacional, o pernambucano Fernando Bezerra, indicado por Campos.
Ao discursar, o afilhado político de Campos defendeu a transposição do rio São Francisco. A obra, de responsabilidade de sua pasta, fora prometida por Lula para 2010. Até hoje não foi inaugurada. Sócio do malogro, Bezerra transbordou-se em elogios: "Quem colocou o Nordeste pra frente foram os governos Lula e Dilma", ele disse. "Nunca antes na história desse país se investiu tanto em água no Nordeste como no PAC."
O assessor de Dilma ficou tentado a responder às "provocações" pronunciadas por Campos no interior da Bahia. Foi orientado, porém, a silenciar. Avaliou-se que não é hora de dar cartaz à terceira via. Interessa ao comitê reeleitoral da presidente açular a polarização com o PSDB, um adversário que o petismo já bateu três vezes.
Josias de Souza
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