Há muitos anos, encontrei sobre a mesa circunstante dentro de um capítulo de uma história que nasceu no contexto de uma paixão avassaladora; dessas que carecem de um mínimo de bom senso e lógica, um pedacinho de papel onde estava escrito, com caligrafia impecável: "Preciso de um abraço para sobreviver". Esse pedido estava na antessala do desfecho de uma história de amor que nasceu depois de uma taça de vinho à beira de uma piscina. Ato seguinte, um beijo roubado a dois, sem explicação que aconteceu como uma chama que se acende quase espontaneamente no ambiente inflamável de uma atração fatal, que é quando não existe tempo para contar nem até três. De repente, os dois, cegos, surdos, mudos.
A bem da verdade, só enxergavam o que queriam; só escutavam os sussurros das entregas malucas, quase selvagens e depois, mudos. Isso porque havia uma culpa enorme e não tinha mais como retroceder. Estava feito. Muito bem feito! Foi imediato. Na fração de segundo de um olhar magnético, mil perguntas foram feitas ao mesmo tempo e nesse mesmo átimo, mil respostas ficaram à margem da coerência. Só com o passar do tempo, de muito tempo, as consequências deixadas de lado pela vista grossa da fantasia do momento começaram a chegar à superfície do lago aparentemente tranquilo dos dias que se seguiram. Mas o lago era um mar, um oceano que se agitou e se agigantou e suas ondas revoltas se encresparam e o barco dos sonhos agora era um pesadelo sem comando, sem direção, sem luz rumo, dia após dia, ano após ano... Muitas foram as vezes que os náufragos do desastre anunciado desde o começo se enganaram com a calmaria dos ventos, embora a experiência mostrasse que no olho de todo furacão a calma que reina é apenas aparente, e o silêncio quase total é prenúncio da destruição que nem tarda nem falta. É certa! Quem planta o vento da paixão sabe o que está plantando. Agora, imagine quem planta borrasca! Mas, o que são aventuras, paixões loucas. Quem acha que viver sem elas é sinônimo de paz de espírito está fadado à monotonia de céus prometidos aos bons, ímpios, imaculados, fadados a contemplar voos cansativos de querubins rechonchudos e à melodia cansativa de liras fora de moda. Um pouco de inferno na vida é a pitada de sal ou de pimenta que torna a vida com algum sabor. Somente depois de pecar muito, de tomar Betsabé, a mulher de Urias, o itita, é que o Rei David se arrependeu e ganhou a graça de seus atuais adoradores, mas é preciso primeiro pecar para depois saborear o manjar do perdão. "Ah, mas ele se arrependeu...!"- defendem os que acreditam na força do arrependimento e, mais ainda, na força do perdão. Não encontrei registros de que Urias tenha deixado pra lá o que o rei fez com a mulher dele. "Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço..."- mais fácil ainda. Vejam o caso do pastor ameaçado de deixar de ser pastor, o deputado Marcos Feliciano... Com o dinheiro de suas ovelhas, fez tratamento para alisar o cabelo, para alisar a pele, deu entrevista na revista Playboy e tudo fica por isso mesmo. Afinal de contas, somos todos mortais. Pois bem, tivesse acudido ao pedido de socorro e dado um simples abraço, não imagino o que teria acontecido, mas negá-lo foi determinante para a certeza de que quem o pediu encontro, tempos depois um abraço cheio de promessas cercado de branco por todos os lados, dando início a uma nova vida no reino da felicidade, coisa que todos nós temos direito, mais cedo ou pouquinha coisa mais tarde...
Nenhum comentário:
Postar um comentário